O morcego
Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
[ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 11]
[...]
O animal grotesco puro e simplesmente é o morcego. O nome (Fledermaus, em alemão) sugere a mistura antinatural dos domínios que se concretizou neste ente sinistro. E, ao lado desta cultura estranhadora, há um modo estranho de vida: um animal crepuscular, de voo silencioso, com inquietante agudeza perceptiva e de segurança infalível nos rápidos movimentos – não caberia suspeitar que ele suga o sangue de outros animais enquanto estão dormindo? É estranho, até no estado de repouso, quando permanece envolto nas asas como num manto, dependurado de uma trave com a cabeça para baixo, mais parecido a um pedaço de matéria morta do que a um ser vivo.
[KAYSER, Wolfgang. O grotesco – configuração na pintura e na literatura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. p. 158]