Contam-me que o bardo português se exilou da realidade.
É sabido que Lobo Antunes tem como dedicação literária a questão da colonização, a experiência traumática da guerra e a sondagem introspectiva.
A ficção Conhecimento do Inferno retrata as dificuldades de um médico (alter ego?) em se comunicar e a perda do afeto que a experiência da guerra engendrou.
Segundo a crítica especializada, os romances do autor de o Manual dos inquisidores são exemplos bem acabados de lyrical novel.
De sobra, são os horrores de sempre a tematizar a narrativa portuguesa: frustração, angustia, loucura, desespero, esquizofrenia, depressão, violência extremada e a revisão histórica, a busca memorialística por meio de personagens traumatizadas.
Destaco um trecho onde a psiquiatria é definitivamente satirizada:
Os psiquiatras são malucos sem graça, palhaços ricos tiranizando os palhaços pobres dos pacientes com bofetadas de psicoterapia e pastilhas, palhaços ricos enfarinhados do orgulho tolo dos polícias, do orgulho sem generosidade nem nobreza dos polícias, dos donos das cabeças alheias dos etiquetadores dos sentimentos dos outros: é um obcecado, um fóbico, um fálico, um imaturo, um psicopata: classificam, rotulam, vasculham, remexem, não entendem, assustam-se por não entender e soltam das gengivas em decomposição, das línguas inchadas e sujas de coágulos e de crostas, dos lábios arroxeados de livores de azoto, sentenças definitivas e ridículas. O inferno, pensou, são os tratados de Psiquiatria, o inferno é a invenção da loucura pelos médicos, o inferno é esta estupidez de comprimidos, esta incapacidade de amar, esta ausência de esperança, esta pulseira japonesa de esconjurar o reumatismo da alma com uma cápsula à noite, uma ampola bebível ao pequeno almoço e a incompreensão de fora para dentro da amargura e do delírio, e se não vou para dentista na mecha fico um maluco tão sórdido e tão sem graça como eles.