3.8.15

Sem fechaduras nem trancas


Na casa da Alameda Santo numero 8 não havia uma única chave. Os buracos das velhas e enferrujadas fechaduras viviam entupidos de papel amassado, vetando a eventuais olhos indiscretos a possibilidade de uma espiada no interior dos quartos de dormir. As portas de entrada eram fechadas por frágeis ferrolhos internos, mas na da cozinha não havia nem mesmo isso, e, durante a noite, uma cadeira a mantinha encostada. As duas portas do terraço lateral, que separavam as paisagens de tzi Ró, eram facilmente arrombáveis. Havia um ponto exato onde forçar com o ombro: bastava comprimi-lo de leve e a porta se abria na maciota, sem fazer o mínimo ruído. Todos os de casa usavam este método, prático e simples. O pesado portão de ferro trabalhado - única beleza da fachada - passava o dia inteiro aberto e, à noite, apenas encostado. Por ele entrava-se para a residência e para a oficina mecânica. O portão dos fundos, de madeira, que dava para a Consolação, servia apenas à garagem.

Nunca tivemos medo, nem mesmo pensamos, que um ladrão pudesse invadir nossa casa durante a noite. Não possuíamos nada de valor e os gatunos sabiam muito bem escolher suas vítimas. Os ladrões de antigamente eram inteligentes e conscienciosos, deixavam os pobres em paz. Dormíamos tranquilos.

Zélia Gattai | 1984