10.8.17

viver na era do capitalismo artista

1982

Da mesma forma que os bens de consumo corrente aparecem como produtos-moda, o mundo da arte também se mistura de maneira íntima com a moda. Essa proximidade não é recente; diferentes artistas já realizaram no decorrer do século passado figurinos para espetáculos, desenharam motivos para vestuário de moda e cartazes para os espetáculos em exibição. Não obstante, os universos da arte e da moda, pensados como heterogêneos, também funcionavam de acordo com lógicas dessemelhantes. Não é mais assim.

Podemos considerar Warhol como o primeiro elo e a figura prototípica da subversão que se efetuou. Ao se proclamar "business artist", Warhol passa do modelo da boêmia e do artista "suicidado pela sociedade" (Artaud) ao artista mundano que, obcecado pelo sucesso e pelo dinheiro, extrai inspiração do universo da cultura de massa, da moda, do jet set internacional, das imagens de superstars e de todas as formas de celebridade. Suas telas reproduzem dólares, a garrafa de Coca-Cola, "golden shoes", e também os rostos de Marilyn Monroe, Liz Taylor, Elvis Presley. Em seus autorretratos (realizados com rosto maquiado e peruca loura) e em suas serigrafias seriais de estrelas, Warhol exprime seu gosto pela mise-en-scene teatralizada de si, seu fascínio com a artificialidade e a aura das divas. Seu ateliê, a Factory, se torna o centro da vida in e um local de festas perpétuas em que se encontram estrelas, gente da moda, do rock, das mídias, as subculturas da vanguarda. Warhol gosta dos grandes astros e se dedica a construir sua imagem e sua obra conforme os caminhos espetaculares do star-system e da publicidade. Para "ser tão conhecido quanto as latas de sopa Campbell"(Leo Castelli), ele participa de todos os acontecimentos, atuando em todos os campos capazes de atrair a atenção das mídias: pintura, fotografia, cinema, romance gravado em cassete, telenovelas, rock. Não para de se impor como astro hollywoodiano, sendo produtor e diretor de sua própria imagem supermidiatizada. Postulando uma pintura sem profundidade, mecânica e superficial, introduzindo o glamour e o comercial na arte, sua obra assinala o triunfo das aparências e do mercado, da publicidade e da moda. Podemos considerá-lo como o primeiro artista cuja obra é emblemática das hibridizações do capitalismo artista rematado.

A notoriedade de Warhol é tamanha que em 1965 ele é classificado no "barômetro da moda" de Eugenia Sheppard logo depois de Jacqueline Kennedy. Reatando com a lógica espetacular e artificialista da moda, o mundo da arte se aproxima do show, do produto midiático e hip. Com Warhol, todas as fronteiras se confundem, as da arte e dos negócio, da cópia e do original, do museu e do supermercado, da high e da low art, do artista e do astro, da obra e da publicidade, da arte e da moda.

[...] O tempo do artista maldito passou: estamos no momento da transestética, em que o importante é menos a criação do que a celebridade, em que os artistas renomados têm um status de astros reconhecido na grande imprensa, em que o preço das obras parece ser o sinal do seu valor artístico, em que a notoriedade dos artista se constrói como uma marca. No tempo do capitalismo artista, as mídias se impõem como novas instâncias de consagração de talentos, a notoriedade passa cada vez mais pelo caminho do espetacular, da comunicação, da midiatização: o mesmíssimo caminho da moda.

Gilles Lipovetsky & Jean Serroy
Trad.: Eduardo Brandão
2013