28.10.17

o pato donald no poder?

Singer

Disney expulsa o setor secundário de seu mundo, de acordo com os desejos utópicos da classe dominante de seu país. Mas, ao fazê-lo, cria um mundo que é uma paródia do mundo do subdesenvolvimento. Só há os setores primários e terciário no universo de Disney.

Isto significa, como já vimos, a divisão do mundo em espírito e matéria, em cidade e campo, em metropolitano e selvagem bonzinho, em monopolistas da força mental e monossofredores da força corporal, em moralmente inflexíveis e moralmente imóveis, em pai e filho, em autoridade e submissão, em riqueza merecida e pobreza igualmente merecida.

Disney expulsa o produtivo e o histórico de seu mundo, assim como o imperialismo proibiu o produtivo e o histórico no mundo do subdesenvolvimento. Disney constrói sua fantasia imitando subconscientemente o modo como o sistema capitalista mundial construiu a realidade, tal como a deseja continuar armando.

A miséria enlatada no vazio, que resgata e libera o polo hegemônico o qual cultiva e consome, e é servida ao dominado como prato único e eterno. Ler Disneylândia é tragar e digerir sua condição de explorado.

Basta de clichês: Avestruzes! para permanecer no mundo animal que carrega a inocência do homem. Cultura hipócrita e classe cínica que diariamente em suas fábricas e emissões comercializa e banaliza o sexo e se erige no censor moralista de uma juventude cuja "crise contemporânea" produz, consome e reprime para produzir, consumir e reprimir mais e melhor.

Disney-Cosmos não é o refúgio na esfera do entretenimento ocasional, é nossa vida cotidiana da dominação e da submissão social.

Colocar o Pato em foco é questionar as diversas formas de cultura autoritária e paternalista que impregnam as relações do homem burguês consigo mesmo, com os outros homens e com a natureza. É uma interrogação sobre o papel do indivíduo e de sua classe no processo de desenvolvimento histórico, sobre o modo de fabricar uma cultura de massas pelas costas das massas. É também, mas intimamente, uma interrogação sobre a relação social que estabelece o pai com seu filho. Um pai que recusa ser determinado por sua mera condição biológica e ajuíza a solapada manipulação e repressão que realiza com seu próprio reflexo.

Ariel Dorfman e Armand Mattelart
Trad.: Álvaro de Moya