6.2.18

a polícia do livro

Matthias Stom | 1650

Ao sobreviver ao duplo escândalo de De l'Esprit e da Encyclopédie, o Iluminismo conseguiu alcançar os leitores no momento mais perigoso de sua existência sob o Antigo Regime. Mas esse episódio, por sua importância, pode parecer tão dramático a ponto de deixar na sombra os aspectos da censura mais generalizados e de longo prazo. Os acontecimentos de 1757-9 não devem ser tomados para tipificar as atividades dos censores ou para fazer a história da censura no século XVIII tomar o aspecto da história de uma luta entre os philosophes e seus inimigos. Seria mais exato entender o trabalho de Malesherber e seus homens como parte do que poderia ser chamado de realidade literária - ou seja, o mundo rotineiro habitado por escritores, livreiros e personalidades influentes da corte e da capital. Esse mundo, como descrito nas Mémoires sur la librairie (1759), de Malesherbes, parecia estar sob elevado controle. No entanto, a exemplo de muitos administradores de alto escalão no antigo Regime, Malesherbes tinha apenas uma vaga noção do que se passava fora de Paris e de Versalhes. Nem ao menos sabia quantas cidades tinham inspetores do comércio de livros (além de Paris, apenas duas: Lyon e Rouen) e quantas possuíam guildas aptas a cumprir as determinações do rei (27 cidades tinham guildas ou comunidades corporativos cujos membros gozavam do privilégio exclusivo de vender livros, mas só quinze delas tinham chambres syndicales incumbidas da responsabilidade de inspecionar todos os carregamentos de livros). Embora ele se desse conta de que, nas províncias, estivesse ocorrendo um próspero negócio com a comercialização de livros ilegais, não tinha a menor ideia de sua extensão.

O sucessor de Malesherbes, Antoine de Sartine, que foi um administrador muito melhor, tentou traçar um quadro da realidade do comércio de livros recrutando supervisores para inspecionar todos os livreiros do reino. O resultado, um censo extraordinário que cobria 167 cidades, concluído em 1764, revelou uma enorme indústria que funcionava sem preocupações com o Estado, o qual tentava regulamentá-la. Essa informação serviu para alimentar novas regulamentações cujo intuito era criar alguma ordem em 1777, mas, a exemplo da maioria dos éditos reais, produziram poucos resultados. Os livreiros de província, tanto em cidades grandes como Lyon, Rouen e Marselha quanto em cidades pequenas - Avenches, Bourg-Saint-Andéol, Châteaudun en Dunois, Forges-les-Eaux, Ganges, Joinville, Loudum, Montargis, Negrepelisse, Tarbes, Valence - tocavam seu comércio fora do alcance de visão de Paris e, em grande parte, fora da lei. Cerca de 3 mil comerciantes de todos os tipos vendiam livros na década de 1770, porém o semioficial Almanach de la librairie de 1781 lista apenas 1004. A maioria deles não tinha autorização. (Para operar legalmente, um livreiro tinha de ser membro de uma guilda ou pelo menos ter obtido um certificado chamado brevet de librairie.) Grande parte de seu estoque provinha de editores estrangeiros, ou diretamente ou por meio de intermédiários, e consistia principalmente de obras pirateadas ou proibidas. Não temos dados suficientes para calcular as proporções, mas, qualquer que tenha sido o balanço estatístico entre os setores legal e ilegal, existia uma grande disparidade entre a literatura que ocupava os censores e a literatura que de fato circulava nos canis do comércio de livro.

As autoridades estavam plenamente conscientes de tal disparidade, apesar de suas informações falhas, pois muitas vezes confiscavam livros ilegais na alfândega parisiense e nas inspeções obrigatórias dos carregamentos que passavam pelas chambres syndicales provinciais. Quando avisadas por informantes, davam batidas em livrarias, apreendiam mercadorias ilegais e interrogavam os comerciantes. Inspetores de polícia com a responsabilidade específica de cuidar do comércio de livros executavam as batidas. O mais atuante deles, Joseph d'Hémery, trabalhava em estreito contato com Malesherbes e Sartine e formou arquivos extraordinariamente ricos sobre todos os aspectos da indústria editorial. Deveria toda essa atividade ser considerada uma forma de censura pós-publicação?

Para os franceses do século XVIII, isso seria visto como trabalho policial. "Polícia", naquela época, era um conceito amplo, que cobria a maioria dos aspectos da administração municipal, inclusive iluminação, higiene e provisão de alimentos. A polícia parisiense gozava de boa reputação pelo aprimoramento dos serviços mais modernos e bem organizados. De fato, sua administração parecia tão avançada que servia como modelo para tratados sobre a polícia, que podem ser considerados contribuições para a literatura do Iluminismo. Voltaire se referia às sociétés policiées como ordens sociais que haviam alcançado o mais elevado estágio da civilização. Nada pode ser mais enganador do que associar a policia da monarquia Bourbon com as forças repressivas de regimes totalitários. Porém, esclarecida ou não, a polícia literária do século XVIII na França confiscava muitas obras dos philosophes com muitas outras que jamais entraram na história literária, mas eram os alvos principais da repressão do Estado.

Para fazer justiça a todos os aspectos desse tipo de trabalho policial, seria necessário um vasto tratado. Mas seu caráter básico pode ser entendido a partir de alguns estudos de caso, que mostram como inspetores do comércio de livros (inspectuers de la librairie) lidavam com a tarefa de policiar a literatura. Durante suas rondas, inspecionavam as grandes editoras e livrarias do Quartier Latin, porém o mais frequente era que as buscas de livros ilegais os levassem a sótãos, aposentos nos fundos, gráficas secretas e depósitos clandestinos, onde "livros ruins" (mauvais livres), como os inspetores os chamavam, eram produzidos e distribuídos. Tais livros eram tão maus, aos olhos das autoridades, que a mera possibilidade de submetê-los à censura era algo fora de questão. Tinham de ser apreendidos e destruídos - ou, em certos casos, mantidos encarcerados na Bastilha, pois existiam inteiramente fora da lei.

Robert Darnton
Trad.: Rubens F.