18.6.18

rumo ao apocalipse com uma catraca na porta de entrada

no te olvides grita todavia
este mundo es injusto

Benedetti

Se há um assunto que não se pode negar é a de que Paulino Júnior já integra o time dos bons cronistas armando as letras para o contra-ataque. 

Sem ignorar os problemas da esfera pública (leia-se por exemplo: Paisagem infestada) e muito longe de relatar as ações dos paladinos da justiça, Paulino lida com as vicissitudes mais pessoais. Na labutaria crônica do ficcionista, o miúdo da vida ganha ares de ironia, leveza e humor. Mas atenção, onde “cada pessoa com um carro na rua é como um revólver na mão de macaco”: a fantasia do folião é “uma bala perdida no meio da multidão”. Neste universo ninguém quer nem mesmo um Papai Noel humano. 

A exemplo de divertimento, veja-se O ponto e o ônibus e Economia de energia. Divertidíssimos.

Lembrando Antonio Candido, em A vida ao rés-do-chão, tudo é motivo de experiência e reflexão. Para este último requisito, valem as observações do espaço urbano que tiraniza o sujeito amoroso. 

Tomando o automóvel como objeto de estudo, podemos pensar na organização da vida nos países capitalistas em torno desse fetiche.  

Consciência e autocrítica aparecem em Errada demais. Orora seríamos nós? 

Das narrativas mais cruéis, Solução Final representa o mundo cão que faz da crônica, a princípio comprometida com um instante fugaz, perdurar na cabeça do leitor como um alerta: “Vivemos em tempos perigosamente cínicos.” Tão cínico que o cartão-postal da Ilha da Magia exibe a natureza em estado de exploração e descarte. Mas o que seria esta sujeira para as pessoas de bem que só querem ver mansão? A ironia, neste ponto, reside na utilização da linguagem publicitária em forma de protesto. 

Descartando a possibilidade do autor estar com os pés na lua, Antonio Candido sintetiza a importância da literatura como sensibilização: 

fica perto de nós. Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição. [...] Sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava.

Porém, precisa da urgência de um Joe Strummer. Aliás, o cronista continua incisivo, artista deve ter mais de Cólera e menos de Paralamas do Sucesso.

Contra a maquinação reacionária do esquecimento, a reunião das crônicas não nos deixa esquecer a lama tóxica expelida pela mineradora Samarco. Sua crítica é severa e contundente. Cito: 

defender interesses de grandes empresários como se eles fossem as galinhas dos ovos de ouro, é a maneira mais direta para se chegar a catástrofes deste nível. Ruim sem eles, pior com eles. A única sustentabilidade que interessa à iniciativa privada é a do lucro – make Money. Ou será que, numa reunião de cúpula, a planilha discutida é sobre a qualidade de vida dos trabalhadores e a preservação do meio ambiente? 

Mas se os grandes empresários só têm olhos para o lucro, é o Dr. Bakunin, na excelente paródia de Pneumotórax, de Manuel Bandeira, que paradoxalmente cirúrgico diagnostica o problema do proletariado alçado ao poder nas condições burguesas:

deixa de ser trabalhador para se tornar homem de Estado e, por essa via, torna-se burguês e corre o risco de ser mais burguês que o próprio burguês.

A vida infernizada pela maquinaria barulhenta, administrada por gestores, onde as pessoas são reconhecidas pela marca do carro orbita na lógica do sistema de transformar a existência em negócio.  Parafraseando o autor, qual será a próxima etapa da evolução humana? Matar uns aos outros por uma ocupação no mercado de trabalho? 

Nesta antologia, camarada, não há espaço para virtudes.