no te olvides grita todavia
este mundo es injusto
Benedetti
Se há um assunto que não se pode negar é a de que Paulino Júnior já integra o time dos bons cronistas armando as letras para o contra-ataque.
Sem ignorar os problemas da esfera pública (leia-se por exemplo: Paisagem infestada) e muito longe de relatar as ações dos paladinos da justiça, Paulino lida com as vicissitudes mais pessoais. Na labutaria crônica do ficcionista, o miúdo da vida ganha ares de ironia, leveza e humor. Mas atenção, onde “cada pessoa com um carro na rua é como um revólver na mão de macaco”: a fantasia do folião é “uma bala perdida no meio da multidão”. Neste universo ninguém quer nem mesmo um Papai Noel humano.
A exemplo de divertimento, veja-se O ponto e o ônibus e Economia de energia. Divertidíssimos.
Lembrando Antonio Candido, em A vida ao rés-do-chão, tudo é motivo de experiência e reflexão. Para este último requisito, valem as observações do espaço urbano que tiraniza o sujeito amoroso.
Tomando o automóvel como objeto de estudo, podemos pensar na organização da vida nos países capitalistas em torno desse fetiche.
Consciência e autocrítica aparecem em Errada demais. Orora seríamos nós?
Das narrativas mais cruéis, Solução Final representa o mundo cão que faz da crônica, a princípio comprometida com um instante fugaz, perdurar na cabeça do leitor como um alerta: “Vivemos em tempos perigosamente cínicos.” Tão cínico que o cartão-postal da Ilha da Magia exibe a natureza em estado de exploração e descarte. Mas o que seria esta sujeira para as pessoas de bem que só querem ver mansão? A ironia, neste ponto, reside na utilização da linguagem publicitária em forma de protesto.
Descartando a possibilidade do autor estar com os pés na lua, Antonio Candido sintetiza a importância da literatura como sensibilização:
fica perto de nós. Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição. [...] Sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava.
Porém, precisa da urgência de um Joe Strummer. Aliás, o cronista continua incisivo, “artista deve ter mais de Cólera e menos de Paralamas do Sucesso.”
Contra a maquinação reacionária do esquecimento, a reunião das crônicas não nos deixa esquecer a lama tóxica expelida pela mineradora Samarco. Sua crítica é severa e contundente. Cito:
defender interesses de grandes empresários como se eles fossem as galinhas dos ovos de ouro, é a maneira mais direta para se chegar a catástrofes deste nível. Ruim sem eles, pior com eles. A única sustentabilidade que interessa à iniciativa privada é a do lucro – make Money. Ou será que, numa reunião de cúpula, a planilha discutida é sobre a qualidade de vida dos trabalhadores e a preservação do meio ambiente?
Mas se os grandes empresários só têm olhos para o lucro, é o Dr. Bakunin, na excelente paródia de Pneumotórax, de Manuel Bandeira, que paradoxalmente cirúrgico diagnostica o problema do proletariado alçado ao poder nas condições burguesas:
A vida infernizada pela maquinaria barulhenta, administrada por gestores, onde as pessoas são reconhecidas pela marca do carro orbita na lógica do sistema de transformar a existência em negócio. Parafraseando o autor, qual será a próxima etapa da evolução humana? Matar uns aos outros por uma ocupação no mercado de trabalho?
Nesta antologia, camarada, não há espaço para virtudes.
deixa de ser trabalhador para se tornar homem de Estado e, por essa via, torna-se burguês e corre o risco de ser mais burguês que o próprio burguês.
A vida infernizada pela maquinaria barulhenta, administrada por gestores, onde as pessoas são reconhecidas pela marca do carro orbita na lógica do sistema de transformar a existência em negócio. Parafraseando o autor, qual será a próxima etapa da evolução humana? Matar uns aos outros por uma ocupação no mercado de trabalho?
Nesta antologia, camarada, não há espaço para virtudes.