18.7.18

riot radio


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ZSK 

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A polícia, no seio do aparelho governamental, tem a função de assegurar, em última instância, a submissão individual e de produzir a população, como população, como massa despolitizada, impotente e, portanto, governável e, com isso, é lógico que um conflito que exprime a recusa em ser governado começa por se dirigir contra a polícia e adota como seu slogan mais popular: "Todo mundo detesta a polícia". O rebanho que escapa a seu pastor não poderia encontrar melhor grito de guerra.

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"Todo mundo detesta a polícia" diz mais o que uma simples animosidade em relação aos policiais. Pois a polícia, no começo do século XVII, nos primeiros pensadores da soberania, nada mais era do que a constituição do Estado, sua própria forma. Na época, ela ainda não era um instrumento nas mãos deste e ainda não tinha uma tenência em Paris. Por isso, durante os séculos XVII e XVIII, a "polícia" ainda tem um significado muito amplo: a polícia é, então, "tudo o que pode dar ornamento, forma e esplendor à cidade" (Turquete de Mayerne), "o conjunto de meios que servem ao esplendor de todo o Estado e à felicidade de todos os cidadãos" (Hohenthal). Seu papel, diz-se, é "conduzir o homem à mais perfeita felicidade da qual pode desfrutar nesta vida" (Delamare). A polícia é tanto a manutenção das ruas como o abastecimento dos mercados, tanto a iluminação pública quanto o encarceramento de vagabundos, tanto o preço justo dos grãos quanto a limpeza dos canais, tanto a salubridade do habitat urbano quanto a prisão do bandido. Fouché e Vidocq ainda não deram a ela seu rosto moderno e popular.

Caso se queira compreender o que está em jogo nesta questão eminentemente política da polícia, é preciso entender o truque de prestidigitação que se opera entre a polícia como meio e a polícia como fim. Há, de um lado, a ordem ideal, legal, fictícia do mundo - a polícia como fim - e, do outro, há sua ordem ou, melhor, sua desordem real. A função da polícia como meio é fazer de modo que exteriormente a ordem desejada pareça reinar. A polícia vela pela ordem das coisas por meio das armas da desordem e reina sobre o visível por meio de sua atividade imperceptível. Suas práticas cotidianas - sequestrar, bater, vigiar, violar, forçar, enganar, mentir, matar, estar armada - cobrem o conjunto do registro da ilegalidade. De modo que sua própria existência jamais cesse de ser, no fundo, inconfessável. Por ser a prova de que o legal não é real, de que a ordem não reina, de que a sociedade não se sustenta, posto que não sustenta a si mesma, a polícia se encontra infinitamente afastada em um ponto do mundo cego de pensamento. Pois ela é, para a ordem reinante, como uma marca de nascimento no meio do rosto. [...] a polícia é o que resta do estado de exceção quando essas condições foram restauradas. A polícia, em seu funcionamento cotidiano, é o que persiste do estado de exceção na situação normal. [...] a polícia vela por uma ordem aparente que interiormente não é mais do que desordem. Ela é a verdade de um mundo de mentira e, por isso, a mentira continuada. Ela atesta que a ordem reinante é artificial e cedo ou tarde será destruída.

Não é qualquer coisa viver em uma época na qual essa peça obscena, opaca, que é a polícia, venha à plena luz. Que policiais armados, com roupas especiais e escudos, marchem tranquilamente em formação para o Élysée, como fizeram no outono passado, sob o grito de "sindicatos corruptos" e "franco-maçons na prisão", sem que ninguém ouse falar de maquinação de uma facção.

As operações de polícia são também operações nos afeto. E é em virtude dessa operação que a justiça passa a perseguir, a partir de então, os suspeitos pelo ataque do cais Valmy. Na sequência da violação de Théo, um policial confessava tranquilamente ao Parisien: "Pertencemos a uma gangue. Não importa o que aconteça, somos solidários."

O slogan "Todo mundo detesta a polícia" não exprime uma constatação, que seria falsa, mas um afeto, que é vital. De modo contrário ao que inquieta covardemente governantes e editorialistas, não há um "fosso que cresce ano a ano entre aqueles, inumeráveis, que têm excelentes motivos para detestar a polícia e a massa amedrontada daqueles que abraça a causa dos policiais, isso quando não abraçam um deles. Na realidade, é a uma reviravolta maior na relação entre governo e polícia que assistirmos. Durante muito tempo, as forças da ordem foram marionetes idiotas, desprezadas mas brutais, que se lançavam contra as populações desobedientes. [...] São os governantes que são agora os chocalhos nas mãos da polícia. Eles não têm outra escolha senão correr ao leito de qualquer policial esfolado e ceder a todos os caprichos da corporação. Depois do direito de matar, o anonimato, a impunidade, o último armamento, o que pode ela ainda obter? Por certo, não faltam facções do corpo policial que sentem bater as asas e sonhar em se transformar em força autônoma que tem sua própria agenda política. Nisso a Rússia parece um paraíso, uma vez que os serviços secretos, a polícia e o exército já tomaram o poder e governam o país em seu proveito. Se a polícia certamente não está a altura de se autonomizar de modo material, isso não a impede de manifestar, com todas as barulhentas sirenes, a ameaça de sua autonomia politica.

A polícia se encontra, assim, dividida entre duas tendências contraditórias. Uma, conservadora, funcional, "republicana", gostaria apenas de se manter um simples meio a serviço de uma ordem sem dúvida cada vez menos respeitada. A outra arde em desejos para se desfazer disso, para "limpar a escória" e não obedecer a mais ninguém - para ser em si mesma seu próprio fim. No fundo, apenas a chegada ao poder de um partido decidido a "limpar a escória" e a apoiar incondicionalmente o aparato policial poderia reconciliar essas duas tendências. Mas um tal governo, seria, por sua vez, um governo de guerra civil.

Em um país como a França, isto é, em um país que pode muito bem ser um Estado policial, com a condição de não o proclamar publicamente, seria insensato procurar uma vitória militar sobre a polícia. Mirar um uniforme com paralelepípedo não é a mesma coisa que entrar em um corpo a corpo com uma força armada. 

Nós, revolucionários, não somos vinculados por nenhuma obediência, nós estamos ligados a todos os tipos de camaradas, amigos, forças, meios, cúmplices, aliados. Isso nos permite fazer com que, sobre certas intervenções policiais, pese a ameaça de que a operação de manutenção da ordem desencadeie, ao contrário, uma desordem não gerenciável. [...] Quando uma intervenção de polícia produz mais desordem do que reestabelece a ordem, é sua razão de ser que está em causa.