17.9.18

quantas vezes eu deveria ter sido fuzilado?

1966 

Só com catorze anos vividos à face da terra, eu havia cometido já tantos crimes (no entender dos fascistas) que deveria ter sido fuzilado pelo menos vinte vezes:

1 Não denunciei um judeu – o meu camarada Churka; 
2. Prestei auxílio a um prisioneiro (Vasily); 
3. Tive escondida uma bandeira vermelha; 
4. Transgredi a lei do recolher obrigatório; 
5. Não devolvi tudo o que retirei de uma loja; 
6. Não entreguei o nosso combustível às autoridades; 
7. Não entreguei os nossos excedentes de provisões; 
8. Fui possuidor de um par de botas de feltro; 
9. Afixei um cartaz; 
10. Roubei (beterrabas, lenha, etc.); 
11. Trabalhei ilegalmente, sem licença, para um salsicheiro; 
12. Fugi da Alemanha (em Vychgorod); 
13. Tornei a fugir (na Igreja do Priorado) 
14. Roubei e utilizei uma espingarda; 
15. Estava na posse de munições; 
16. Não obedeci às determinações do decreto sobre ouro (por não ter denunciado Degtyariev); 
17. Acalentava sentimentos antialemães e fomentei tais sentimentos noutras pessoas (também acerca disto havia um decreto); 
18. Não compareci para me registrar, atingidos os catorze anos; 
19. Não denunciei membros da resistência; 
20. Permaneci numa zona proibida durante quarenta dias, e só por isso deveria ter sido fuzilado quarenta vezes. 

E tudo isto sem pertencer ao Partido Comunista, à Liga dos Jovens Comunistas ou ao movimento subterrâneo. Tão-pouco era judeu, cigano ou refém. Não fizera quaisquer discursos nem era possuidor de pombos ou de qualquer aparelho de rádio. Era apenas um rapazito muito vulgar, como tantos outros, sem nada que o distinguisse, e que usava boné. Mas pela regras deles – faça-se o que se fizer, é-se castigado – eu já tinha o direito de viver. 

Se estou vivo, devo-o a um equívoco; apenas porque, em toda aquela pressa e confusão, os alemães não podiam fazer vigorar plenamente as suas leis e regulamentos. 

Se um patife de um fascista aparecia um dia com uma regra arbitrária por ele congeminada, logo no dia seguinte surgia outro com segunda regra, e, mais tarde, um quinto ou um vigésimo. E sabe-se lá quantas mais regras poderiam ser concebidas na amálgama confusa dos cérebros fascistas. 

Mas eu queria viver! 

Queria viver o tempo que me estava destinado e não o tempo que aqueles degenerados houvessem por bem. Como vos atreveis? Que direito tendes de decidir sobre a minha vida, de decidir: 

O TEMPO QUE VIVEREI 
COMO VIVEREI 
ONDE VIVEREI 
QUE DEVO PENSAR 
QUE DEVO SENTIR 
E QUANDO DEVO MORRER 

Quero viver até que tenha desaparecido o vosso último vestígio. 

Detesto-vos, fascistas, inimigos da vida, detesto-vos como a coisa mais nauseabunda que jamais nasceu sobre a terra. Sede malditos, MALDITOS, MALDITOS! 

Anatoly Kuznetsov
Trad.: Jorge Rosa