Política é a arte do distanciamento
Supostamente, ela está ao mesmo tempo separada de todas demais esferas de atividade e ainda assim qualificada para governá-las todas. A política começa onde a experiência cotidiana, os gostos individuais, a paixão, a poesia e o companheirismo terminam - resumindo, na ausência de tudo que possa informar as pessoas sobre como tomar decisões que sejam do seu interesse. Nada que realmente importe - nem o tédio da garçonete, nem a insônia da burocrata - podem ser abordadas na arena política, embora as decisões tomadas nessa arena tenham repercussões em todo lugar.
Politica é a arte da exclusão
Não exite momento, local ou pessoa certa para toda decisão; isso tornaria todos os outros momentos, locais e pessoas errados. Dessa exclusão inicial, fundamental, uma horda de outras exclusões se seguem.
Porque a política deve se manter separada da vida humana real, de tudo que poderia lhe dar dentes e pulso, o papel de profissionais é inquestionável - o máximo que pode-se fazer é substitui-los de tempos em tempos. Esses profissionais podem ser servidores eleitos, ou podem ser "organizadores da comunidade" ou até mesmo "facilitadores". Independente disso, os sistemas que administram são complicados demais para qualquer pessoa fora da classe política compreender - e qualquer uma que tenha sucesso em aprender o funcionamento interno desses sistemas inevitavelmente termina sendo para da classe política.
Política é a arte da segregação
Ela é a especialização que está na raiz de toda especialização e divisão do trabalho nesta sociedade: pois se as decisões relativas à sociedade como um todo só podem ser feitas através dos canais apropriados, qual o propósito de qualquer pessoa se preocupar com qualquer coisa fora de seu papel específico? Uma vez que as pessoas aceitam sua posição de peões na barriga do leviatã, elas se tornam significativamente menos interessantes umas para as outras.
Política é a arte da representação
Ela pressupõe a inatividade de todo mundo, menos da classe política. Se cada pessoa agisse por si, seria a anarquia pura - além disso, as pessoas não estão acostumadas a pensar ou agir por si mesmas nos dias de hoje, né? Logo, elas só participam como espectadoras das decisões que afetam suas vidas, torcendo por um lado ou pelo outro, e escolhendo lados aleatoriamente como quem toma qualquer decisão inconsequente. Ao delegar seu poder, as pessoas abrem mão da capacidade de descobrir seus desejos: pois só podemos aprender quais são nossos interesses ao longo do próprio processo de tomada de decisão. Algumas pessoas reformistas sonham com sistemas de representação mais participativos, mas um mundo onde as pessoas agem por si mesmas e, logo, não precisam de representantes - isso é impensável.
Política é a arte da substituição
Representantes políticos são uma substituição para todo o poder do qual as pessoas representadas abrem mão. Ele se torna uma prótese para a sua capacidade de agir perdida - elas se identificam com ele da mesma forma que pessoas assistindo novela se identificam com as protagonistas. Quanto mais forte ele fica às suas custas, mais fortes elas se sentem.
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Da mesma forma que o Papa interpreta a vontade de deus, que cientistas explicam os decretos da natureza e professoras passam lições de história, a profissional da política faz a mediação entre as pessoas e seu próprio poder - e como consequência elas o percebem como algo alienígena e externo a elas. Ao representar pessoas na arena política, o político se torna qualificados para representar elas para elas mesmas: tudo em que ele acredita deve ser o que elas acreditam, o que quer que ele faça deve ser o que elas querem, ou então ele não estaria lá. Da mesma forma, quando as pessoas se referem umas às outras fora do reino da política, não é como seres únicos, mas como funções dentro de uma ordem estabelecida. Entre toda pessoa e toda outra, e entre todas as pessoas e a estrutura da sociedade que elas compõem, existem filtros que impedem todos exceto alguns padrões de comunicação e interação. Como na religião organizada, onde não existem relações entre seres humanos, mas apenas relações entre crentes, assim é na política: não são indivíduos que se encontrar, mas membros de partidos, ativistas, cidadãs.
Política é a arte da assimilação
Ela te ensina a pensar em termos de maioria, a julgar o certo e o errado de acordo com a opinião pública e não com a sua própria consciência. Na melhor das hipóteses, a pessoa que foi ensinada assim deve persuadir a si mesma e as outras que, embora não pareça ser o caso, a vasta maioria das pessoas querem - ou iriam querer! - os mesmos fins que ela; na pior das hipóteses, e mais frequentemente, essa educação a deixa se sentido impotente face à sociedade. Ao perder eleição após eleição, campanha após campanha, a pessoa que busca persuadir a maioria aprende o quão pequena e ineficiente ela é, o quão pouco ela consegue realizar - sem jamais testar as suas próprias capacidades. Se você não pode derrotá-los, una-se a eles, ela inevitavelmente conclui. Em seguida, as coalizões mais improváveis se formam e lutam para derrotar umas às outras na corrida para arrecadar eleitores suficientes para formar um maioria.
Política é a arte da abstração
Ela prospera onde quer que um programa se sobreponha às necessidades e desejos de seres humanos específicos. Para que o poder possa ser delegado a profissionais que representam eleitorados, as características e interesses únicos de uma ampla faixa de pessoas são resumidos em generalizações grosseiras. Muitas pessoas se apressam para fazer abstrações de si mesmas - pois quanto mais simples o rótulo, mais força bruta supostamente pode ser reunida atrás dele. Desejos extremamente diferentes são empilhados juntos e reduzidos ao seu mínimo denominador comum em plataformas gerais. Políticos representam pessoas, e ai de quem recuse a administração; abstrações representam demografias, ai de quem desafiar a classificação!
Política é a arte da distração
Numa sociedade volátil, ela é uma válvula de escape, que oferece uma atividade construtiva para as pessoas cuja discordância poderia de outro modo assumir formas destrutivas, de maneira que seus esforços de desafiar o status quo sirvam apenas para estabilizá-lo. Para a pessoa rebelde, essa é uma caçada interminável que exaure toda as energias e ideias brilhantes que ela tem a oferecer, confinando-a a dialogar com quem ela deveria estar lutando e lutando com quem ela deveria estar dialogando.
Política é a arte da prorrogação
As suas soluções sempre estão logo ali. Como todo mundo sabe (até os políticos) os problemas com que nos deparamos só podem ser resolvidos de forma coletiva - e faremos isso, todas juntas, amanhã, quando todo mundo estiver pronto. (Me revolto, logo, existimos - mas se existimos, até logo revolta.) Enquanto isso, pede-se que todo indivíduo se comporte e aguarde, "como todo mundo" - resumindo, para abrir mão de todas as suas forças e oportunidades, para paralisar a si mesmo voluntariamente de forma a ser representado, com tudo o que vem com isso. Na política, a aventura de mudar o mundo é transformada no tédio de fazer petições para que ele mude. Qualquer pessoa que quiser agir imediatamente, apesar das desvantagens do momento e da limitações inerentes a qualquer ação específica, é sempre vista com suspeita: quem se opõe argumenta que se ela não for um agente provocador seus inimigos certamente poderão usá-la como tal.
Política é a arte do cálculo
Na política, ninguém tem amigas, mas aliadas; já não se tem mais relações, mas associações; a comunidade se torna um reservatório do qual tiramos possíveis militantes para serem mobilizados e manipuladas como peças de xadrez. É necessário saber a situação das coisas, escolher os seus investimentos cuidadosamente, pesar e medir toda possibilidade - analisar toda oportunidade e categorizar todo indivíduo e grupo, da mesma forma como fazem nossos inimigos. Ao analisar estrategicamente tudo que se tem, ganha-se tudo menos a disposição para colocar isso na linha e arriscar perder.
Política é a arte da acomodação
Por mais radical que seja a mudança que se espera, ainda devemos sobreviver de alguma forma enquanto esperamos o mundo mudar. E ao sobreviver - todos sabemos - fazemos concessões. Mais cedo ou mais tarde, as rebeldes mais intratáveis deverão formar algum tipo de aliança com os poderes estabelecidos: eu não te incomodo se tu não me incomodares. Bom senso, um defensor eterno da sobrevivência, sempre tem boas razões para que sejamos agradáveis: existem algumas concessões que não são tão ruins, no fim das contas, e o primeiro dever de pessoas revolucionárias não é viver para continuar lutando? Ao sempre se conformar com o menor dos males, pouco a pouco, aceitamos o próprio mal como aceitável. Qualquer pessoa que contrariamente não quer ter nada a ver com mal nenhum deve ser uma aventureira.
Política é a arte da cooptação
Uma das formas mais eficientes de desviar o desejo por mudança reais para a política é retratar um político profissional como subversivo, ou melhor ainda, fazer que a subversão seja uma política profissional. Nem todos os políticos concorrem a um cargo; alguns até fazem campanha contra isso, assim como alguns filósofos levam vidas confortáveis cuspindo no prato que comem. A realidade - eles sabem bem disso, e isso é tudo que sabem dela - é sempre mais complexa que a abrangência de qualquer ação isolada. Eles se esforçam para desenvolver uma teoria que dê conta de todas as mazelas sociais, de maneira que eles sejam completamente absolvidos da responsabilidade de não fazerem nada a respeito.
Política é a arte do controle
Depois que foram feitas concessões, depois que o contrato social foi firmado, o gás lacrimogênio e as balas de borracha não são mais necessárias para manter as pessoas na linha. Elas manterão a si mesmas na linha, esperando no cinema, sentadas no trânsito a caminho do trabalho, pagando seu aluguel e seus impostos e obedecendo a toda regra e regulamentação - e se algumas rebeldes com brilho nos olhos não o fizerem, então suas companheiras radicais se certificarão que elas o façam, pois nada é mais precioso do que a boa reputação do radicalismo. No momento em que uma pessoa fizer alguma coisa precipitada, outras se apressam em negar que alguém do seu movimento faria tal coisa e em reeducar aquelas suas companheiras que podem secretamente aprovar. Nada é mais aterrorizante que o espectro de um único ser humano que não acompanhe a loucura coletiva - pois se isso é possível para uma pessoa, o que isso diz sobre todas as outras? Toda ação única, autodeterminada é uma fagulha que dispara além dos confins do status quo e das críticas abstratas e, portanto, ameaça ambos, além de quem os sustenta.
Política é a arte da repressão
A repressão de qualquer pessoa que não aceite as limitações de seu papel social, que queira mudar as coisas com base em seus próprios desejos. A repressão de qualquer pessoa que queira se livrar da passividade, da deliberação e da delegação. A repressão de qualquer pessoa que não queira que seu ser precioso seja suplantado por qualquer organização nem imobilizado por qualquer programa. A repressão de qualquer pessoa que queira ter relações não-mediadas e reconheça que isso significa derrubar barreiras, tanto sociais como físicas. A repressão contra qualquer pessoa que atrapalhe as preciosas concessões de quem espera pacientemente. A repressão de qualquer pessoa que se doa sem esperança de ser recompensada - de qualquer pessoa que defenda suas companheiras com amor e resolução - de qualquer pessoa que se recuse a se acomodar com os prêmios de consolação oferecidos a rebeldes penitentes. A repressão a qualquer pessoa que não queira nem governar nem controlar - de qualquer pessoa que queira viver e agir imediatamente, não amanhã ou depois de amanhã - de qualquer pessoa que queira transformar a vida numa aventura alegre e ousada.
Política não é nenhuma arte
Ela é o oposto de arte: aniquilação da criatividade e da espontaneidade, a redução das relações humanas a uma rede de correntes que se prendem. Da mesma forma, qualquer arte que honre o seu nome - a arte de viver, por exemplo - deve ser o oposto da política: deve unir as pessoas, dar-lhes acesso a suas forças ocultas, capacitá-las a fazer o que elas acreditam ser certo sem medo do que os vizinhos irão pensar e sem calcular o que vão ganhar com isso.
Crimethinc