30.9.20

Doentes de vazio

Cartoon de Leandro F.


Foi nos ensinado a partir do Iluminismo que o progresso na ciência teria libertado o homem das crenças irracionais. Mas em realidade, ocorreu o contrário. Na medida em que progride a tecnologia e as redes sociais, com o advento do bolsolavismo orquestrando uma soberania da burrice, desinformando a massa e atrofiando a compreensão, está se produzindo um ser humano até mais crédulo do que o homem da Idade Média. Assistimos ao empobrecimento da capacidade de entender promovido pelo lumpemcomentariado. Um rebanho de analfabetos culturais que mata o tempo na internet, investindo em futilidades. Em geral, a cibernavegação se tornou apenas mais um videogame.

De cultos de meia-tigela a uma demagogia do dirigismo, obtemos um vazio que comunica um vazio. O homo sapiens entrou em crise. Perdeu a sabedoria e a capacidade de conhecer. Transformou-se em homo insipiens (idiota e, simetricamente, ignorante).

A título de exemplo, serve um paradoxo: encontramos a máxima cientificidade tecnológica (ver os EUA) e a máxima credulidade em um mesmo espaço social. É nessa onda que a má política, apoiada na tecnocracia, acaba por empobrecer a todos. A democracia se tornou um sistema de governo no qual os mais incompetentes estão tendo o poder de decisão. 

28.9.20

Deus seja louvado?


A paisagem desenhada pelo bolsolavismo não tem fim. É a destruição absoluta. Segundo o registro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 18,6% do território do Pantanal já queimou. Os sequelados bolsolavistas não têm ideia ao que equivale a área incendiada, obviamente.

Com o objetivo de mostrar o caos que foi instalado no Brasil com o filhote da ditadura civil-militar no poder, o Greenpeace lançou a nota acima de 2,3 milhões, alusão à quantidade de hectares queimados no Pantanal. Esse é o real valor de um governo ecofascista.

24.9.20

Farsa nacionalista

Cartoon de Cristiano S. 

Corrupted patriotism sold as nationalism

Anti-Flag | Christian Nationalist

A nacionalidade é uma ficção não apenas absurda, mas perigosa. A ideia patriótica, bem como a ideia religiosa são superstições que a burguesia inventou para conduzir e domar o povo. Para explorar a seu bel-prazer as classes operárias e para fazê-las pacientar, ela os acalenta com a esperança de uma vida mais feliz no outro mundo. E quando esse meio já não basta, quando vê que ela tudo espremeu e sugou o que chama desdenhosamente de populacho, que a fera enlouquecida e faminta necessita de uma presa, ela a lança sobre um outro povo e lhe faz voltar contra seus irmãos as armas que só deveria empregar contra seus opressores.

***

O cidadão só é livre no dia em que elege seu representante. Nos quatro ou cinco anos seguintes, está sem poder; os políticos profissionais formam uma casta privilegiada, uma oligarquia política, a serviço das classes dominantes e não do povo que o elegeu; os parlamentos são alheios aos interesses da população, e seus debates - o circo parlamentar - dispensam qualquer controle ou participação das classes dominadas. Seria possível acrescentar que os mecanismos eleitorais são viciados pelo dinheiro, pela mídia (nas mãos da potências de dinheiro), pela exclusão das mulheres (ontem) e dos imigrantes (atualmente).

23.9.20

A vida mentirosa dos brasileiros

Não espere encontrar pássaros em um chiqueiro de porcos

Ailton Krenak

Ele acha que não existem informações 
à disposição do mundo? 

Um diplomata alemão

O vira-lata da ditadura civil-militar não se cansa de mentir. É um mentiroso contumaz. Mentiu sobre as medidas de isolamento, mentiu sobre os profissionais da saúde, mentiu sobre a conservação das florestas, mentiu sobre a política de tolerância zero ao crime ambiental, mentiu sobre os índios e mentiu sobre o auxílio emergencial. O lance do tirano fundamentalista é mentir até que a mentira se torne verdade. Porém, além de mentir, vitimizou-se: para ele, é preciso combater a cristofobia. Cristofobia no país conhecido como narco-evangelistão? 

Todo fascista é covarde. Sob esse recente "discurso" na ONU, prepara-se na sombra dos gabinetes oficiais a prática de uma teocracia militar. Vivemos, em suma, em pleno regime kafkiano. Diz-se uma coisa e faz-se outra. Um feudalismo à lá brasileira, que não se conhecem ao certo os juízes, as leis e os recursos, tudo em nome do marketing cristofascista. 


Curral


Muitos dizem que o movimento do bolsolavismo foi uma vontade do povo. Eu mesmo já ouvi essa besteira pessoalmente. Mas os sequelados estão confundindo os conceitos. Para ser mais incisivo, nem os conhece. A começar, isso denominado de vontade não passa de um condicionamento das subjetividades (os vagabundos nem sabem que estão sendo manipulados pela direita? A perpétua juventude continuará a ser descartável?). E para terminar, isso conhecido como povo, não é nada mais que público, bom para encher estádios.


9.9.20

Gregariousness


To be Herdentier 
or Hordentier? 

Conform and consume:
that is the question.

Do not forget,
be obedient.


8.9.20

Não verás país nenhum

Macaco Prego carbonizado pelo fogo no Pantanal

Meu avô Jerónimo, nas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las.

José Saramago

Essa é a paisagem que está sendo desenhada sob a batuta do filhote ecocida da ditadura civil-militar e o berrante do menino de ouro do agronegócio. A vida animal continua sendo dizimada. Estima-se uma diminuição aguda da família dos Sapajus Cay. A boiada vai passando sobre a flora e a fauna. É o pacote da expansão agropecuária: a terra arrasada da ideologia bolsolavista.

3.9.20

Unpopular Essays


A fé não é racional, é emocional. Crentes reagem emocionalmente quando sua fé é contestada. No fundo de suas mentes, sabem que acreditam num mito e têm medo de que sua crença desabe na presença da lógica. É por isso que diferenças religiosas levam à guerra, mas não à Aritmética. Quanto menos evidência existe em favor de uma ideia, maior a paixão, maior a violência.

Bertrand Russell
1872 - 1970

Deus como problema


Não tenho dúvidas de que este arrazoado, logo a começar pelo título, irá obrar o prodígio de pôr de acordo, ao menos por esta vez, os dois irredutíveis irmãos inimigos que se chamam Islamismo e Cristianismo, particularmente na vertente universal (isto é, católica) a que o primeiro aspira e em que o segundo, ilusoriamente, ainda continua a imaginar-se. Na mais benévola das hipóteses de reacção possíveis, clamarão os bem-pensantes que se trata de uma provocação inadmissível, de uma indesculpável ofensa ao sentimento religioso dos crentes de ambos os partidos, e, na pior delas (supondo que pior não haja), acusar-me-ão de impiedade, de sacrilégio, de blasfémia, de profanação, de desacato, de quantos outros delitos mais, de calibre idêntico, sejam capazes de descobrir, e portanto, quem sabe, merecedor de um castigo que me sirva de escarmento para o resto da vida. Se eu próprio pertencesse ao grémio cristão, o catolicismo vaticano teria de interromper os espectáculos estilo cecil b. de mille em que agora se compraz para dar-se ao trabalho de me excomungar, porém, cumprida essa obrigação disciplinária, veria caírem-se-lhe os braços. Já lhe escasseiam as forças para proezas mais atrevidas, uma vez que os rios de lágrimas choradas pelas suas vítimas empaparam, esperemos que para sempre, a lenha dos arsenais tecnológicos da primeira inquisição. Quanto ao islamismo, na sua moderna versão fundamentalista e violenta (tão violenta e fundamentalista como foi o catolicismo na sua versão imperial), a palavra de ordem por excelência, todos os dias insanamente proclamada, é “morte aos infiéis”, ou, em tradução livre, se não crês em Alá, não passas de imunda barata que, não obstante ser também ela uma criatura nascida do
Fiat divino, qualquer muçulmano cultivador dos métodos expeditivos terá o sagrado direito e o sacrossanto dever de esmagar sob o chinelo com que entrará no paraíso de Maomé para ser recebido no voluptuoso seio das huris. Permita-se-me portanto que torne a dizer que Deus, sendo desde sempre um problema, é, agora, o problema.

Como qualquer outra pessoa a quem a lastimável situação do mundo em que vive não é de todo indiferente, tenho lido alguma coisa do que se tem escrito por aí sobre os motivos de natureza política, económica, social, psicológica, estratégica, e até moral, em que se presume terem ganho raízes os movimentos islamistas agressivos que estão lançando sobre o denominado mundo ocidental (mas não só ele) a desorientação, o medo, o mais extremo terror. Foram suficientes, aqui e além, umas quantas bombas de relativa baixa potência (recordemos que quase sempre foram transportadas em mochila ao lugar dos atentados) para que os alicerces da nossa tão luminosa civilização estremecessem e abrissem fendas, e ruíssem aparatosamente as afinal precárias estruturas da segurança colectiva com tanto trabalho e despesa levantadas e mantidas. Os nossos pés, que críamos fundidos no mais resistente dos aços, eram, afinal, de barro.

É o choque das civilizações, dir-se-á. Será, mas a mim não me parece. Os mais de sete mil milhões de habitantes deste planeta, todos eles, vivem no que seria mais exacto chamarmos a civilização mundial do petróleo, e a tal ponto que nem sequer estão fora dela (vivendo, claro está, a sua falta) aqueles que se encontram privados do precioso “ouro negro”. Esta civilização do petróleo cria e satisfaz (de maneira desigual, já sabemos) múltiplas necessidades que não só reúnem ao redor do mesmo poço os gregos e os troianos da citação clássica, mas também os árabes e os não árabes, os cristãos e os muçulmanos, sem falar naqueles que, não sendo uma coisa nem outra, têm, onde quer que se encontrem, um automóvel para conduzir, uma escavadora para pôr a trabalhar, um isqueiro para acender. Evidentemente, isto não significa que por baixo dessa civilização a todos comum não sejam discerníveis os rasgos (mais do que simples rasgos em certos casos) de civilizações e culturas antigas que agora se encontram imersas em um processo tecnológico de ocidentalização a marchas forçadas, o qual, não obstante, só com muita dificuldade tem logrado penetrar no miolo substancial das mentalidades pessoais e colectivas correspondentes. Por alguma razão se diz que o hábito não faz o monge…

Uma aliança de civilizações poderá representar, no caso de vir a concretizar-se, um passo importante no caminho da diminuição das tensões mundiais de que cada vez parecemos estar mais longe, porém, seria de todos os pontos de vista insuficiente, ou mesmo totalmente inoperante, se não incluísse, como item fundamental, um diálogo inter-religiões, já que neste caso está excluída qualquer remota possibilidade de uma aliança… Como não há motivos para temer que chineses, japoneses e indianos, por exemplo, estejam a preparar planos de conquista do mundo, difundindo as suas diversas crenças (confucionismo, budismo, taoísmo, hinduísmo) por via pacífica ou violenta, é mais do que óbvio que quando se fala de aliança das civilizações se está a pensar, especialmente, em cristãos e muçulmanos, esses irmãos inimigos que vêm alternando, ao longo da história, ora um, ora outro, os seus trágicos e pelos vistos intermináveis papéis de verdugo e de vítima.

Portanto, quer se queira, quer não, Deus como problema, Deus como pedra no meio do caminho, Deus como pretexto para o ódio, Deus como agente de desunião. Mas desta evidência palmar não se ousa falar em nenhuma das múltiplas análises da questão, sejam elas de tipo político, económico, sociológico, psicológico ou utilitariamente estratégico. É como se uma espécie de temor reverencial ou a resignação ao “politicamente correcto e estabelecido” impedissem o analista de perceber algo que está presente nas malhas da rede e as converte num entramado labiríntico de que não tem havido maneira de sairmos, isto é, Deus. Se eu dissesse a um cristão ou a um muçulmano que no universo há mais de 400 mil milhões de galáxias e que cada uma delas contém mais de 400 mil milhões de estrelas, e que Deus, seja ele Alá ou o outro, não poderia ter feito isto, melhor ainda, não teria nenhum motivo para fazê-lo, responder-me-iam indignados que a Deus, seja ele Alá ou o outro, nada é impossível. Excepto, pelos vistos, diria eu, fazer a paz entre o islão e o cristianismo, e, de caminho, conciliar a mais desgraçada das espécies animais que se diz terem nascido da sua vontade (e à sua semelhança), a espécie humana, precisamente.

Não há amor nem justiça no universo físico. Tão-pouco há crueldade. Nenhum poder preside aos 400 mil milhões de galáxias e aos 400 mil milhões de estrelas existentes em cada uma. Ninguém faz nascer o Sol cada dia e a Lua cada noite, mesmo que não seja visível no céu. Postos aqui sem sabermos porquê nem para quê, tivemos de inventar tudo. Também inventámos Deus, mas esse não saiu das nossas cabeças, ficou lá dentro como factor de vida algumas vezes, como instrumento de morte quase sempre. Podemos dizer “Aqui está o arado que inventámos”, não podemos dizer “Aqui está o Deus que inventou o homem que inventou o arado”. A esse Deus não podemos arrancá-lo de dentro das nossas cabeças, não o podem fazer nem mesmo os próprios ateus, entre os quais me incluo. Mas ao menos discutamo-lo. Já nada adianta dizer que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino. Para os que matam em nome de Deus, Deus não é só o juiz que os absolverá, é o Pai poderoso que dentro das suas cabeças juntou antes a lenha para o auto-de-fé e agora prepara e ordena colocar a bomba. Discutamos essa invenção, resolvamos esse problema, reconheçamos ao menos que ele existe. Antes que nos tornemos todos loucos. E daí, quem sabe? Talvez fosse a maneira de não continuarmos a matar-nos uns aos outros.

José Saramago
1922 - 2010

2.9.20

Curral

Cartoon de Lafa

When we're working for the clampdown
We will teach our twisted speech
To the young believers
We will train our blue-eyed men
To be young believers
[...]
In these days of evil presidentes
Working for the clampdown
But lately one or two has fully paid their due
For working for the clampdown
But ha! Gitalong! Gitalong!

The Clash | Clampdown

Sabemos que a política é a arte de não dizer a verdade. É justamente aí que os políticos da periferia do capitalismo se agarram. Vejam como o tirano fundamentalista mente. É a sua melhor arma. Claro que para um sujeito mentiroso sentar na presidência de um país e continuar a dar as cartas é preciso que mentirosos submissos façam o trabalho sujo.  Os eleitores-crentes, esses trouxas essenciais para o funcionamento do engodo, não foram enganados, sabiam que estavam escolhendo um agente autoritário para o poder. As cidades foram transformadas em currais eleitorais. 

Para os maloqueiros profissionais, política é também um meio para alçar algum negócio. Não importa quantas cidades do tamanho de São Paulo irão desmatar. Não importa quem irão colonizar. Não importa quem irão desinformar. Não importa. O que importa é o negócio. O capitalismo é a religião. O dinheiro é a única coisa mais importante que existe. 

Uma população acostumada com o suco artificial - conhecido como cultura - costuma colocar no poder presidentes pequenos. Um povo de inteligência pequena e memória curta escolheu um presidente com inteligência menor ainda, ignorância abissal, expressão verbal confusa e limitada para o cargo que ocupa. Para um plano de poder autoritário, neoliberal e reacionário, não se necessita de inteligência. Parafraseando Saramago, Bolsonazi expulsou a verdade do país para em seu lugar fazer frutificar a idade da mentira. 

Eu, por minha vez, nunca deixei de pensar que o mundo seria muito mais limpo sem a politica e a religião. Por um bom tempo, talvez para sempre, esses dois substantivos continuarão a ser o ópio do povo, que nem é povo, é público.


1.9.20

O povo de deus


The messages on the tablet
Was valium
[...]
After all this time
To believe in jesus
After all those drugs
I thought i was him

The Clash | The Sound Of The Sinners

Existe sequelado tomando copinho de mijo e enxergando deus. Esse é o principal sintoma do gueto bolsolavista. Geral misturou ayahuasca com cristianismo e surgiu a "psicodelia de direita". Na boa, mas esses alienados não conseguem nem curtir um barato. Na verdade, se olharmos com mais precisão, veremos que de psicodelismo nada tem. O que se faz em nome desse "experimentalismo" é uma lavagem cerebral.  Assim vale para a democracia que foi substituída por uma alienante massificação industrial das culturas.

Ainda perambulando pelo gueto bolsolavista, o caso da maloqueira cristã Flordelis e a prisão do pastor Everaldo, padrinho de batismo do tirano fundamentalista Bolsonazi, deixam bem claro o que são os evangélicos. Exceção? Não, regra!

Nessa plutocracia teocrática é óbvio de que não só o país, mas também o planeta seriam muito mais justos e pacíficos se todos fôssemos ateus. 


Carolinhas

Cartoon de Adão I.

Where is your god?
When you suffer inside the four
Walls of this absurd and bitter
Existence and on this ground
That becomes a hell day by day

Thy Antichrist | Where is your god?

Era uma hora. O ônibus estacionado sairia a uma e meia. Não havia muita gente no terminal. O jeito era formar a fila. Em tempos de pandemia é melhor sentar estrategicamente para não ser contaminado. 

Um velhinho sem máscara, que pelo visto encontrou a vacina para o vírus, se achegou atrás de mim e puxou conversa com uma mulher que trocava de sapato num banco de madeira. O sapato não combinava com a roupa da mulher e nem com a mulher que estava carregada de sacolas de plástico. O velhinho dizia oi para todo mundo que passava por ali. Alguns com pressa não deram atenção. Toda cidade do interior deve ter o seu louquinho de estimação.

Uma senhora também sem máscara o reconheceu, parou para cumprimentar e desandou a tagarelar. Falava mais que a mulher da cobra. O assunto circulou entre o tempo que tinha melhorado graças a deus, o vizinho alcoólatra, Jesus, filho de deus, vai lhe mostrar o caminho, um parente crakudo que tinha morrido em paz com deus, o marido que não largava a vida do boteco, mas com fé no pai ele iria superar, um primo distante viciado em cocaína e deus todo poderoso que o curaria dessa desgraça. Uma cadela sarnenta parou no meio deles. Lambeu a ferida, coçou a orelha e saiu. A fofoquinha foi parar na pandemia: deus todo poderoso há de resolver, salivava de um jeito pegajoso a senhora crédula, deus todo poderoso vai dar um jeito nesse vírus, cuspiu o velhinho crente, porque deus todo poderoso não nos abandona. Basta ter fé. Amém, disse a crente. 

Curioso, no interior a população não diz tchau ou até breve, mas vai com deus e amém. Convenhamos que na capital linda e amorosa também não é muito diferente. O processo de homogeneização sócio-cultural é único por esses lados. Bitolação sem fronteiras.

O velhinho crédulo ficou sozinho e parecia ter ficado triste. A fila tinha crescido, a maioria das pessoas olhando o celular. Um pneu estourou, chamando a atenção dos distraídos digitais. Uma garotinha se assustou e sua mãe engoliu um Ave, Maria. Burburinho. Todos os olhos voltaram para o estranho fenômeno. O motorista desceu, chutou o pneu, é estourou, disse para os outros motoristas e recolheu o ônibus para a garagem. A aglomeração se desfez. O velhinho crédulo, que tinha espirrado um cruz credo, olhava para o seu celular. Me parecia que ele não sabia digitar. Sobrou para mim: o velhinho crédulo deu dois passos e veio pedir ajuda. Não conseguia entender o que estava escrito. Toquei em seu ombro, arriscando a me contaminar, e disse, deus não é todo poderoso, pede auxílio a ele. A porta do ônibus abriu.