O Leste precisa de você
Professoras
Ninguém se convertia à causa nazista do dia para a noite. Era preciso
doutrinação e convencimento, praticados incessantemente nas escolas do
Reich. Para Hitler, uma educação adequada deveria “inflamar o sentido
racial e o sentimento racial no instinto e no intelecto, no coração e no
cérebro da juventude a ela confiada”. A escola, segundo uma reforma de
1934, deveria educar o jovem a serviço do nacionalismo e no espírito
nacional-socialista, e os professores deveriam ser treinados para se
tornarem condutores desse espírito. Dois terços dos professores alemães
frequentaram campos de treinamento, onde eram submetidos a exercícios
físicos e ideológicos.
Nas escolas, as aulas de história ressaltavam as proezas militares,
impérios passados e pioneiros heroicos alemães. Hitler era colocado no
panteão dos heróis, junto com Carlos Magno, Frederico, o Grande, e
Bismarck. As aulas de linguagem explicavam padrões de fala, não como
dialetos regionais, mas como variantes raciais. Em matemática, os alunos
calculavam despesas do governo com incapacitados internados em asilos,
implantando nas jovens mentes uma justificativa econômica para um
programa de extermínio maciço de pacientes, que eram chamados de
“bocas inúteis”. Um livro escolar ensinava os alunos a “observar judeus:
seu modo de andar, sua postura, gestos e movimentos ao falar”. Como disse uma professora aos alunos, os judeus não eram feios só por fora, mas por
dentro também. Um tema entremeado em todas as disciplinas era a
superioridade da raça alemã. Uma aluna judia de escola pública se lembra
da professora entrando na sala de aula com uma suástica e dizendo,
apontando para ela: “Vá para o fundo da sala. Você não é mais uma de
nós.” Quem desafiasse os dogmas, tanto professores como alunos, era
expulso do sistema. Bater em crianças que não se conformavam ou
desobedeciam era comum nos anos 1930.
Para implementar a Lei de Prevenção a Descendentes Geneticamente
Doentes, os professores deveriam denunciar crianças com deficiências. Se
uma criança não conseguia abotoar bem o casaco, tinha notas baixas,
pouca coordenação nos esportes ou no playground, era encaminhada para
“triagem”. Na cidade de Reichersbeuern, na Bavária, essa seleção letal
ocorreu no recinto privado da única sala de uma escola. Em 2011,
entrevistei um ex-aluno, Friedrich K., agora com mais de 70 anos, ansioso
para contar o que tinha vivido quando menino, durante a guerra. Sentamonos no terraço da casa dele, saboreando o costumeiro bolo com café do fim
da tarde. Quando terminamos, perguntei a Friedrich e a sua esposa, que
tinha se reunido a nós, sobre os nazistas na cidade deles. Ele se lembrava
de uma professora, Frau Ottnad, mas ela havia morrido. Tinha cometido
suicídio. Ele fez um gesto na direção de uma capela ali perto, onde ela
estava enterrada, e disse alguma coisa sobre seu túmulo, o tipo de detalhe
que habitantes de cidade pequena observam. Perguntei o que ela havia
feito. Ele fez uma pausa e olhou para a esposa, que concordou com um
gesto de cabeça. Bem, ele disse, havia uma menina na cidade, minha amiga,
e brincávamos juntos. Subíamos em árvores. Ela se sentava ao meu lado na
sala de aula. Mas às vezes a menina tinha convulsões. Era epilepsia. E Frau
Ottnad não tolerava aquilo. Então a menina parou de ir à escola; sumiu da
cidade. Nós, crianças, ficamos curiosos e perguntamos à professora, Frau
Ottnad, onde estava a menina. Frau Ottnad disse que a menina causava
muita desatenção na aula e precisaram mandá-la embora. A menina nunca
mais apareceu.
Na profissão de professora, assim como na de enfermeira ou parteira, o
que era tradicionalmente valorizado como a virtude feminina de cuidar
permanecia, mas agora era aplicado seletivamente, com base no critério
“racial”, no julgamento de quem era humano ou sub-humano, alemão ou
não alemão, merecedor de ter participação total na comunidade ou sujeito a expulsão. Professoras levavam alunos a excursões no campo para visitar
hospitais psiquiátricos – chamados de asilos de insanos na época – para
que os alunos pudessem apreciar sua própria “saúde racial” diante de
pacientes expostos, deformados e gritando. As crianças eram ensinadas a
não ter pena daqueles “inferiores”. Como observou a historiadora Claudia
Koonz, essas excursões iam contra a boa educação burguesa, de não ficar
olhando com espanto para os menos favorecidos e socialmente excluídos. A
socialização nazista encorajava o olhar para os inferiores como afirmação
da própria superioridade de quem olhava. As crianças aprendiam a
assistir ao sofrimento com arrogância. Não era uma técnica pedagógica
restrita à Alemanha; o olhar para os inferiores se estendia aos “subhumanos” nas terras imperiais do Leste.
Ingelene Ivens, uma sonhadora quixotesca, acabaria se tornando uma das
combatentes na luta por uma educação adequada na Polônia ocupada.
Ivens formou-se professora em Hamburgo e, enquanto se preparava para
os exames finais para obter o diploma, pensava sobre o que gostaria de
ensinar. Apenas aquelas que obtinham as melhores notas eram aceitas no
serviço público no estrangeiro, e ela estudou muito. Quando criança, Ivens
visitou a Holanda com o pai e tinha boas lembranças da cidade que era
sede do governo holandês, Haia, e particularmente de um edifício, o da
Escola Alemã. Em 1942, enquanto Hitler dominava a Europa, Ivens
aguardava o comunicado oficial de sua nomeação para o Ministério da
Cultura para Ciência e Arte de Berlim. Para onde ela seria enviada? Havia
muitas possibilidades. Haia seria ideal, mas que tal outro lugar na Holanda,
ou no Norte da França, na Boêmia, Polônia, Letônia ou Ucrânia?
Quando chegou um envelope fino, azul, com selo oficial, Ivens sentiu o
coração acelerado. Abriu o envelope e leu: “Você está nomeada para a
administração da escola pública de primeiro grau em Reichelsfelde, distrito
de Posen.” Ivens ficou chocada. Seu pai saiu da sala e se apressou a
telefonar para amigos. Alguém sabia onde ficava esse lugar? Voltou
trazendo as poucas informações que tinha conseguido. Reichelsfelde era
um vilarejo no território anexado da Polônia. Não tinha agência de
Correios, nem eletricidade, nem estação de trem, nem água encanada.
Ivens ficou decepcionada, mas não havia nada que pudesse fazer.
Ordens eram ordens e não havia tempo para sentimentalismos sobre Den
Haag. Começou a fazer as malas e planejar a viagem. Foi chamada à capital do distrito de Poznan (Posen), de onde percorreria a pé ou de bicicleta 24
quilômetros até a escola em Reichelsfelde.
Ivens era uma dentre muitas centenas de professoras que foram enviadas
da Alemanha para a região de Warthegau, na Polônia, para dirigir uma
escola de uma sala só em áreas remotas, e uma dentre milhares de
professoras e auxiliares de ensino enviadas para outras partes da Polônia,
Ucrânia, Lituânia e Boêmia-Morávia (território tcheco anexado pelos
nazistas). Embora as autoridades nazistas não estivessem muito
entusiasmadas para colocar mulheres solteiras nessas zonas rurais, não
viam alternativa. À medida que a guerra avançava, havia cada vez menos
homens disponíveis para trabalhos de escritório e profissões civis. Os
líderes nazistas estavam determinados a prosseguir com sua “missão
civilizadora” no Leste, sem se importar com os riscos para mulheres
solteiras. As escolas eram instituições centrais para converter pessoas de
etnia germânica à causa nazista e criar uma hierarquia racial que
expulsava da escola crianças não alemãs, e ao mesmo tempo desenvolver
uma elite de educadoras. Em março de 1940, cerca de seis meses após o
início da guerra, o Ministério da Educação do Reich, em Berlim, já tinha
dado instruções aos escritórios regionais de toda a Alemanha para enviar
imediatamente professoras para cumprir essa missão nos territórios do
Leste. Somente numa região da Polônia, 2.500 mulheres trabalhavam em
escolas exclusivas para alemães, organizando a instalação de mais de
quinhentos jardins de infância. Assim como Ivens, essas professoras não
tinham muita escolha quanto ao lugar em que iriam trabalhar. Os pedidos
de transferência de lugares como Reichelsfelde eram invariavelmente
negados. Para impedir deserções, a Associação de Jovens Mulheres Alemãs
e a Organização de Mulheres do Partido Nazista promoviam o trabalho no
Leste como um dever patriótico e uma aventura.
As professoras e cuidadoras de crianças que dirigiam escolas e jardins
de infância no Leste nazista contribuíam para o desenvolvimento e a
implementação das campanhas genocidas do regime com algumas atitudes
básicas: excluindo crianças não alemãs do sistema escolar, privilegiando e
doutrinando ideologicamente crianças de etnia germânica na Polônia, na
Ucrânia e no Báltico, saqueando as propriedades e pertences dos judeus e
dos poloneses para dar às escolas e aos alunos, e abandonando estes,
muitos dos quais órfãos, quando os nazistas evacuaram o Leste. De modo geral, as escolas eram dirigidas por alemãs enviadas pelo Reich e com
assistência de mulheres locais de etnia germânica. Uma jovem letã de etnia
germânica que trabalhou como assistente de professora de jardim de
infância na Polônia e na Ucrânia recorda esse trabalho como uma “tarefa
de Sísifo”. Os policiais da SS despejavam cada vez mais crianças
“racialmente valiosas” na escola, crianças cujos pais eles tinham fuzilado.
Traumatizadas e arrancadas do lar, as crianças de lá e de outros lugares
no florescente sistema escolar nazista eram obrigadas a aprender alemão,
cantar canções alemãs e decorar máximas de Hitler sobre o
comportamento adequado e a superioridade da raça alemã.
Wendy Lower
Trad.: Ângela L.
