5.10.20

As revoluções do capitalismo

Cartoon de M. Brieva

A televisão torna-se um fluxo de publicidade sistematicamente entrecortado por filmes, variedades e telejornalismo. O rádio é também um fluxo interrompido de emissões e de publicidade: torna-se cada vez mais difícil saber onde começam uns e terminam os outros. Parafraseando Jean-Luc Godard, se retirássemos de uma revista quinzenal todas as páginas que contêm algum tipo de propaganda, sobraria apenas a coluna do editor-chefe!

Infelizmente, temos que admitir que Deleuze tinha razão quando dizia que a empresa tem uma alma, que o marketing tornou-se o seu centro estratégico e que os publicitários são criativos. A empresa explora ao desnaturalizar e fazer depender da lógica da valorização capitalista a dinâmica do acontecimento e do processo de constituição da diferença e da repetição. Na realidade, a empresa neutraliza o acontecimento, reduz a criação de possíveis e sua efetuação à simples realização de um possível já determinado sob o jugo das oposições binárias. As sociedades de controle caracterizam-se assim pela multiplicidade da oferta de "mundos" (de consumo, de informação, de trabalho, de lazer). Trata-se porém de mundos lisos, banais, formatados, porque são mundos da maioria, vazio de toda singularidade. Não se trata, de modo algum, dos mundos possíveis, do acontecimento.

Diante desses mundos normalizados, nossa "liberdade" é exercida exclusivamente para escolher dentre possíveis que outros instituíram e conceberam. Ficamos sem o direito de participar da construção dos mundos, de formular problemas e de inventar soluções, a não ser no interior de alternativas já estabelecidas. E a definição destas alternativas é atribuição de especialistas (da política, da economia, das cidades, das ciências) ou dos "autores" (da arte, da literatura). É por essa razão que temos a desagradável sensação de que, uma vez que tudo é possível (desde que no âmbito das alternativas preestabelecidas), nada é mais possível (a criação de algo novo). A sensação de impotência e de aborrecimento que todo capitalismo contemporâneo nos causa foi criada pelo afastamento da dinâmica do acontecimento.