Quando as recrutas se formavam, faziam o juramento e entravam no sistema dos campos, muito poucas ostentavam uma atitude humana com relação às prisioneiras. As guardas do campo de Neuengamme eram famosas por seus gritos estridentes, bofetões e espancamentos. Para uma prisioneira, porém, essa forma “disciplinar” seria mais bem descrita como atos aleatórios de terror – atos ainda mais espantosos por serem cometidos por uma mulher
Também fora dos campos, mulheres perseguiam outras. As categorias de prisioneiras eram deliberadamente vagas e elásticas. Qualquer uma podia ser denunciada como vagabunda, sabotadora, marginal ou “associal”. Certa vez, uma mulher que entrou numa padaria e se esqueceu de cumprimentar os vizinhos com o esperado Heil, Hitler foi interrogada pela Gestapo. “Associais” – vadias, ladras, prostitutas, a “gentalha” que sujava as ruas alemãs e manchava a imagem deslumbrante da beleza ariana – eram presas, e até esterilizadas e mortas. Uma ditadura não requer uma grande força policial de serviço secreto quando os vizinhos se prestam a fazer o trabalho de vigilância, por medo, conformismo, fanatismo ou rancor. Os motivos pessoais e políticos eram bem definidos. Os membros mais vulneráveis da sociedade, os que vivem à margem, são dispensáveis.
Na batalha do Reich por nascimentos, as combatentes femininas tinham que andar na linha, cumprir ordens, se sacrificar por um bem maior, desenvolver nervos de aço e sofrer em silêncio. Tinham que abrir mão do governo do próprio corpo, agora colocado a serviço do Estado. As vitórias eram medidas não por nascimentos, mas pelo número de bebês arianos saudáveis. A maciça campanha de reprodução seletiva convocou gerações e classes de mulheres alemãs, que acabaram sofrendo – e também apressando – a guerra racial nazista. A profissão de parteira deslanchou. Em conformidade com a exaltação da pureza e da natureza, as cesarianas eram limitadas, e a amamentação no seio, premiada. Nem todas as mulheres eram consideradas militantes adequadas. Portadoras de supostos distúrbios genéticos (inclusive alcoolismo e depressão clínica), prostitutas com doenças venéreas, ciganas roma e sinti, além das judias, eram obrigadas a se submeter a esterilização e a abortos. Dos 400 mil alemães não judeus que foram obrigados à esterilização, cerca da metade era de mulheres. Segundo a historiadora Gisela Bock, muitos milhares morreram por causa de procedimentos médicos malfeitos. Mulheres alemãs adultas e jovens eram traídas por parteiras e enfermeiras, que faziam denúncias dizendo que a criança nascia defeituosa ou que, em exames ginecológicos de rotina, recomendavam aborto ou esterilização. Assim, na guerra civil para obter bebês arianos perfeitos, que já estava em curso antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, mulheres tomavam cruéis decisões de vida ou morte para outras mulheres, corroendo a sensibilidade moral e implicando as mulheres nos crimes do regime.
O conformismo político era exigido das mulheres, e até das meninas. A doutrinação formal começava na idade de 10 anos. Em 1936, a adesão à ala de meninas da Juventude Hitlerista, a Liga das Meninas Alemãs (Bund deutscher Mädel, BdM) era compulsória. Depois os nazistas fecharam outros programas de juventude, ou os assimilaram à Juventude Hitlerista, à exceção de alguns grupos católicos protegidos pelo Vaticano. Os pais que tentavam proteger os filhos contra o movimento perdiam a autoridade em casa e o respeito na comunidade, e por isso geralmente se rendiam diante do tormento de militantes, vizinhos e colegas membros do Partido Nazista. Em cidades pequenas, como Minden, as autoridades locais entregavam ao Partido Nazista listas dos registros dos nascimentos de meninas, que eram usadas por voluntários do partido para bater de porta em porta recrutando as meninas para o movimento.
As jovens da época olhavam para a frente, não para trás. Não se proclamavam feministas. Na verdade, a maioria de sua geração desprezava as suffragettes como antiquadas. Quando os nazistas mandaram abolir o voto feminino, em 1933, as alemãs não fizeram nenhuma greve de fome. O inimigo delas não era “o macho opressor”; para muitas, ficou sendo “o judeu”, “o bolchevique” e “a feminista”. Hitler declarou em 1934 que era o intelectual judeu quem pregava a emancipação da mulher. O movimento nazista iria “emancipar a mulher da emancipação feminina”
As mulheres que se sentiam fortalecidas pelo movimento nazista vivenciavam uma espécie de liberação na camaradagem, não como feministas querendo desafiar o patriarcado, mas como agentes de uma revolução racista, conservadora. Como membros plenos da sociedade ariana fascista, elas eram políticas a despeito de si mesmas. De fato, a “Questão da Mulher” agora tomava a forma de mulheres e meninas indo para as ruas em desfiles e comícios, para as fazendas com contratos de trabalho, para acampamentos de verão, marchas, cursos de ciência doméstica, exames médicos e cerimônias de hasteamento da bandeira.
A duradoura tradição do militarismo prussiano não apenas cultivava uma cultura de guerra total e “soluções finais”, mas, em sua forma fascista do século XX, integrava as mulheres numa sociedade marcial como educadoras e combatentes patrióticas.
A atividade física se aliava ao emburrecimento da população. Na escola, não eram ensinadas disciplinas, como latim, porque esse tipo de conhecimento não era necessário às futuras mães. Em vez disso, as meninas recebiam panfletos com dicas de como fisgar um marido. A primeira pergunta a ser feita a um possível parceiro era: “Qual é sua origem racial?” Para as moças casadoiras, essas orientações e apoio social eram considerados úteis. A afirmação pública de maternidade também era sedutora. “Em meu país, a mãe é a cidadã mais importante”, Hitler dizia. Nunca antes as mães alemãs tiveram tamanho reconhecimento e tantos serviços ao seu dispor, como mais creches, mais atendimento na área de saúde (“higiene racial”) e status de celebridades em cerimônias em que mães de mais de quatro filhos eram agraciadas com a Cruz de Honra.
A propaganda nazista se destinava a trazer de volta as mulheres aos domínios privados de Kinder, Küche, Kirche.
