Emma Goldman speech on Patriotism, read by Sandra Oh
uma ameaça à liberdade
Então, o que é o patriotismo? "O patriotismo é o último recurso dos vagabundos".
Liev Tolstoi, o mais célebre dos antipatriotas de nossa época, assim o define: o patriotismo é um princípio que justifica a instrução de indivíduos que cometerão massacres em massa; um comércio que exige um equipamento bem melhor para matar outros homens do que para fabricar gêneros de primeira necessidade - sapatos, vestimentas ou moradias; uma atividade econômica que garante maiores lucros e uma glória bem mais cintilante do que aquela da qual jamais fruirá o operário médio.
Gustave Hervé, um outro grande antipatriota, considera o patriotismo como uma superstição perigosa, brutal e desumana como a religião. A superstição da religião provém da incapacidade do homem de explicar os fenômenos naturais. [...] O patriotismo, por sua vez, é uma superstição criada artificialmente e mantida por uma rede de mentiras e falsidades; uma superstição que retira do homem todo o respeito por si mesmo e toda a dignidade, e aumenta sua arrogância e seu desprezo.
Com efeito, desprezo, arrogância e egoísmo são os três elementos fundamentais do patriotismo. Permiti-me dar-vos um exemplo. Segundo a teoria do patriotismo, nosso globo seria dividido em pequenos territórios, cada um cercado por uma cerca metálica. Aqueles que têm a oportunidade de ter nascido em um território particular consideram-se mais virtuosos, mais nobres, maiores, mais inteligentes do que os que povoam os outros países. É, pois, o dever de todo habitante desse território lutar, matar e morrer para tentar impor sua superioridade a todos os outros.
Quando a criança atinge a idade adulta, seu cérebro está completamente intoxicado: ela crê ter sido escolhida pelo Senhor em pessoa para defender sua pátria contra o ataque ou a invasão de qualquer estrangeiro. Por isso tantos cidadãos exigem ruidosamente que se reforcem as forças armadas, terrestres ou navais, que se construam mais barcos de guerra e munições. Eis por que a América, em curtíssimo período, despendeu 400 milhões de dólares. Refleti sobre esses número: retiraram 400 milhões de dólares das riquezas produzidas pelo povo. Pois não são, evidentemente, os ricos que contribuem financeiramente à causa patriótica. Eles têm um espírito cosmopolita e estão à vontade em todos os países. Nós, na América, conhecemos perfeitamente esse fenômeno. Os ricos americanos são franceses na França, alemães na Alemanha e ingleses na Inglaterra. E eles desperdiçam, com uma graça totalmente cosmopolita, as fortunas que acumularam colocando crianças americanas para trabalhar em suas fábricas e escravos em seus campos de algodão. Seu patriotismo permite-lhes enviar mensagens de condolências a um déspota como o czar da Rússia quando lhe acontece uma desgraça, como quando o presidente Roosevelt, em nome do povo americano, apresentou suas condolências depois que o arquiduque Serguei foi abatido pelos revolucionários russos.
É o patriotismo que ajudará o superassassino Porfírio Diaz a suprimir milhares de vidas no México, ou que prenderá revolucionários mexicanos em nosso solo e os trancafiará nas prisões americanas, sem o mínimo motivo.
O patriotismo não concerne àqueles que detêm a riqueza e o poder. É um sentimento válido unicamente para o povo.
O patriotismo é uma instituição dispendiosa e ninguém duvidará disso após ter lido as estatísticas a seguir.
O custo cada vez mais elevado do militarismo também pode ser ilustrado se o calcularmos como um imposto afetando cada contribuinte. De 1889 a 1905, na Grã-Bretanha, as despesas passaram de 18,47 a 52,50 dólares por habitante [...]
Esses cálculos mostram a que ponto o custo econômico do militarismo pesa sobre a população. Que conclusão extrair disso tudo? O aumento do orçamento militar ultrapassa o crescimento da população em cada um dos países supracitados. Em outros termos, as exigências crescentes do militarismo ameaçam esgotar os recurso humanos e materiais de cada uma dessas nações.
O horrível desperdício acarretado pelo patriotismo deveria ser suficiente para curar os homens, mesmo medianamente inteligentes, dessa doença. Entretanto, as exigências do patriotismo não param aí. Pede-se ao povo para ser patriota e, para esse luxo, ele paga não sustentando seus "defensores", mas sacrificando seus próprios filhos. O patriotismo exige uma vassalagem total à bandeira, o que implica obedecer e estar pronto a matar seu pai, sua mãe, seu irmão ou sua irmã.
"Necessitamos de um exército permanente para proteger o país contra uma invasão estrangeira", afirmam nossos governantes. Todo homem e toda mulher inteligentes sabem, contudo, que se trata de um mito destinado a apavorar as pessoas crédulas e obrigá-las a obedecer. Os governos deste planeta conhecem perfeitamente seus interesses respectivos e não invadem uns aos outros. eles aprenderam que podem ganhar muito mais recorrendo à arbitragem internacional para resolver seus conflitos do que fazendo guerra e tentando conquistar outros territórios. Na verdade, assim como disse Carlyle, "a guerra é uma querela entre dois ladrões demasiado covardes para produzir seus próprio combate; é por isso que eles escolhem jovens egressos de vilarejos diferentes, põem-lhes um uniforme nas costas, dão-lhes um fuzil e soltam-nos como animais selvagens para que eles se entredestruam".
Todavia, façamos justiça à nação americana: não apenas ela indignou-se e mostrou sua vontade de lutar, mas combateu corajosamente. Entretanto, quando a fumaça dissipou-se quando os mortos foram enterrados e o custo da guerra recaiu sobre o povo sob a forma de aumento no preço das mercadorias e dos aluguéis, quando emergimos de nossa embriaguez patriótica, compreendemos de repente que a verdadeira causa da guerra hispano-americana foi o preço do açúcar. Ou, para ser ainda mais explícita, que as vidas, o sangue e o dinheiro do povo americano haviam sido utilizados para proteger os interesses dos capitalistas americanos, ameaçados pelo governo espanhol.
A constituição de um exército permanente é a melhor maneira de assegurar a paz? Este argumento é absolutamente ilógico: é como se se sustentasse que o cidadão mais pacífico é aquele que está mais bem armado. A experiência mostra que indivíduos armados desejam sempre testar sua força. O mesmo acontece com os governos. Os países verdadeiramente pacíficos não mobilizam seus recursos e sua energia em preparativos de guerra, evitando, assim, todo o conflito com seus vizinhos.
Liev Tolstoi, o mais célebre dos antipatriotas de nossa época, assim o define: o patriotismo é um princípio que justifica a instrução de indivíduos que cometerão massacres em massa; um comércio que exige um equipamento bem melhor para matar outros homens do que para fabricar gêneros de primeira necessidade - sapatos, vestimentas ou moradias; uma atividade econômica que garante maiores lucros e uma glória bem mais cintilante do que aquela da qual jamais fruirá o operário médio.
Gustave Hervé, um outro grande antipatriota, considera o patriotismo como uma superstição perigosa, brutal e desumana como a religião. A superstição da religião provém da incapacidade do homem de explicar os fenômenos naturais. [...] O patriotismo, por sua vez, é uma superstição criada artificialmente e mantida por uma rede de mentiras e falsidades; uma superstição que retira do homem todo o respeito por si mesmo e toda a dignidade, e aumenta sua arrogância e seu desprezo.
Com efeito, desprezo, arrogância e egoísmo são os três elementos fundamentais do patriotismo. Permiti-me dar-vos um exemplo. Segundo a teoria do patriotismo, nosso globo seria dividido em pequenos territórios, cada um cercado por uma cerca metálica. Aqueles que têm a oportunidade de ter nascido em um território particular consideram-se mais virtuosos, mais nobres, maiores, mais inteligentes do que os que povoam os outros países. É, pois, o dever de todo habitante desse território lutar, matar e morrer para tentar impor sua superioridade a todos os outros.
Quando a criança atinge a idade adulta, seu cérebro está completamente intoxicado: ela crê ter sido escolhida pelo Senhor em pessoa para defender sua pátria contra o ataque ou a invasão de qualquer estrangeiro. Por isso tantos cidadãos exigem ruidosamente que se reforcem as forças armadas, terrestres ou navais, que se construam mais barcos de guerra e munições. Eis por que a América, em curtíssimo período, despendeu 400 milhões de dólares. Refleti sobre esses número: retiraram 400 milhões de dólares das riquezas produzidas pelo povo. Pois não são, evidentemente, os ricos que contribuem financeiramente à causa patriótica. Eles têm um espírito cosmopolita e estão à vontade em todos os países. Nós, na América, conhecemos perfeitamente esse fenômeno. Os ricos americanos são franceses na França, alemães na Alemanha e ingleses na Inglaterra. E eles desperdiçam, com uma graça totalmente cosmopolita, as fortunas que acumularam colocando crianças americanas para trabalhar em suas fábricas e escravos em seus campos de algodão. Seu patriotismo permite-lhes enviar mensagens de condolências a um déspota como o czar da Rússia quando lhe acontece uma desgraça, como quando o presidente Roosevelt, em nome do povo americano, apresentou suas condolências depois que o arquiduque Serguei foi abatido pelos revolucionários russos.
É o patriotismo que ajudará o superassassino Porfírio Diaz a suprimir milhares de vidas no México, ou que prenderá revolucionários mexicanos em nosso solo e os trancafiará nas prisões americanas, sem o mínimo motivo.
O patriotismo não concerne àqueles que detêm a riqueza e o poder. É um sentimento válido unicamente para o povo.
O patriotismo é uma instituição dispendiosa e ninguém duvidará disso após ter lido as estatísticas a seguir.
O custo cada vez mais elevado do militarismo também pode ser ilustrado se o calcularmos como um imposto afetando cada contribuinte. De 1889 a 1905, na Grã-Bretanha, as despesas passaram de 18,47 a 52,50 dólares por habitante [...]
Esses cálculos mostram a que ponto o custo econômico do militarismo pesa sobre a população. Que conclusão extrair disso tudo? O aumento do orçamento militar ultrapassa o crescimento da população em cada um dos países supracitados. Em outros termos, as exigências crescentes do militarismo ameaçam esgotar os recurso humanos e materiais de cada uma dessas nações.
O horrível desperdício acarretado pelo patriotismo deveria ser suficiente para curar os homens, mesmo medianamente inteligentes, dessa doença. Entretanto, as exigências do patriotismo não param aí. Pede-se ao povo para ser patriota e, para esse luxo, ele paga não sustentando seus "defensores", mas sacrificando seus próprios filhos. O patriotismo exige uma vassalagem total à bandeira, o que implica obedecer e estar pronto a matar seu pai, sua mãe, seu irmão ou sua irmã.
"Necessitamos de um exército permanente para proteger o país contra uma invasão estrangeira", afirmam nossos governantes. Todo homem e toda mulher inteligentes sabem, contudo, que se trata de um mito destinado a apavorar as pessoas crédulas e obrigá-las a obedecer. Os governos deste planeta conhecem perfeitamente seus interesses respectivos e não invadem uns aos outros. eles aprenderam que podem ganhar muito mais recorrendo à arbitragem internacional para resolver seus conflitos do que fazendo guerra e tentando conquistar outros territórios. Na verdade, assim como disse Carlyle, "a guerra é uma querela entre dois ladrões demasiado covardes para produzir seus próprio combate; é por isso que eles escolhem jovens egressos de vilarejos diferentes, põem-lhes um uniforme nas costas, dão-lhes um fuzil e soltam-nos como animais selvagens para que eles se entredestruam".
Todavia, façamos justiça à nação americana: não apenas ela indignou-se e mostrou sua vontade de lutar, mas combateu corajosamente. Entretanto, quando a fumaça dissipou-se quando os mortos foram enterrados e o custo da guerra recaiu sobre o povo sob a forma de aumento no preço das mercadorias e dos aluguéis, quando emergimos de nossa embriaguez patriótica, compreendemos de repente que a verdadeira causa da guerra hispano-americana foi o preço do açúcar. Ou, para ser ainda mais explícita, que as vidas, o sangue e o dinheiro do povo americano haviam sido utilizados para proteger os interesses dos capitalistas americanos, ameaçados pelo governo espanhol.
A constituição de um exército permanente é a melhor maneira de assegurar a paz? Este argumento é absolutamente ilógico: é como se se sustentasse que o cidadão mais pacífico é aquele que está mais bem armado. A experiência mostra que indivíduos armados desejam sempre testar sua força. O mesmo acontece com os governos. Os países verdadeiramente pacíficos não mobilizam seus recursos e sua energia em preparativos de guerra, evitando, assim, todo o conflito com seus vizinhos.
Aqueles que reivindicam o aumento dos meios do exército e da marinha não pensam em nenhum perigo externo. Eles observam o crescimento do descontentamento das massas e do espírito internacionalista entre os trabalhadores. Eis o que os inquieta de fato. É para afrontar seu inimigo interno que os governantes de diferentes países preparam-se neste momento; um inimigo que, uma vez desperto, revelar-se-á mais perigoso do que qualquer invasor estrangeiro.
Os poderosos que reduziram as massas à escravidão durante séculos estudaram cuidadosamente sua psicologia. Eles sabem que os povos em geral são como crianças cujos desespero, sofrimento e choro podem transformar-se em alegria à vista de um pequeno brinquedo. e quanto mais bonita for a apresentação do brinquedo, quanto mais viva as cores, mais ele agradará a milhões de crianças.
O que oferece o patriotismo ao salvador de seu país, ao protetor de sua nação? Uma vida de escravo submisso, de depravação durante a paz; uma vida de perigo, de riscos mortais e de morte durante a guerra.
No transcurso de uma recente turnê de conferências em San Francisco, visitei o Presidio, um lugar maravilhoso que domina a baía e o parque de Golden Gate. Poder-se-ia instalar ali campos de esporte para crianças, jardins e orquestras para o lazer da população. Em vez disso, construíram ali uma caserna constituída de prédios horríveis, cinzentos e insignificantes, prédios nos quais os ricos não deixariam nem mesmo seus cães dormirem.
Nesse miserável abarracamento amontoam soldados como gado; eles perdem seu tempo e sua juventude engraxando as botas e lustrando os botões de seus oficiais superiores. [...] Ah! Como a igualdade americana degrada a humanidade e exalta o uniforme!
Que estranho resultado produz esse patriotismo que transforma um ser pensante numa máquina leal!
Os homens e as mulheres que refletem neste mundo começam a compreender que o patriotismo é uma concepção demasiado estreita e limitada para responder às necessidades de nossa época.
O processo já está engajado nas escolas. Evidentemente, o governo defende a velha concepção jesuítica: "dai-me o espírito de uma criança e eu a modelarei". Ensinam às crianças o interesse pelas táticas militares, exaltam-lhes as grandes vitórias, e os espíritos jovens são pervertidos no interesse do governo. Além disso, editam extraordinários cartazes para incitar os jovens do país a engajar-se. "Uma oportunidade para percorrer o mundo!"- exclamam os lacaios do governo.
Emma Goldman
Trad.: Plínio C.