O historiador da periferia precisa incluir em seu afresco um espaço de negócios, pois o Estado é o grande mercado da bandidagem (negócio econômico e simbólico) de nosso tempo. O Estado tem duas funções históricas: poder e dinheiro, mas sem a especificidade épica de uma grande narrativa. Bandidos não são cultos.
O mundo humano do Estado possibilita o inventário social: seu pessoal é hierarquizado, submetido a promoções, proteções e diferenças de instrução, e um emaranhado de relações de poder e difamações. Há aduladores e rivalidades de famílias por gloríolas enquanto saqueiam os cofres públicos. O eleitor provinciano, por outro lado, é mero espectador colonizado que reza para alguma família de bandidos sair vitoriosa.
Tudo isso se investe bem ao objeto-fetiche do Estado orientado por mentes arcaicas. É um mundo fechado, solitário e egoísta: um espaço de luxo, reservado aos bandidos, aos aduladores e ao homicídio. O poder confere ao bandido um prazer, goza da facilidade de engabelar a massa. O bandido é o sujeito clivado por Freud, sabe que é bandido, mas faz de conta que não sabe.
O Estado transmite a hereditariedade dos crimes, dos vícios, das taras, das fraudes. Neste nicho não há talento, criatividade e saber. Olhar o tecido social é decifrar a catástrofe da representatividade, o fiasco histórico de uma sociedade que não se desenvolveu, que não possui qualidade, mas despotismo protetor dos grandes burgueses, manobras, concessões do poder judiciário e o colapso de uma instituição que carrega soldados e civis, cegos, impotentes e alienados.