16.5.24

A mídia


Sejam chamadas de “liberais” ou de “conservadoras”, as principais mídias são grandes empresas pertencentes e interligadas a conglomerados maiores ainda. Como as outras empresas, elas vendem um produto para o mercado. O mercado são os anunciantes, isto é, outras empresas. O produto é o público. É a elite da mídia que estabelece uma agenda básica, à qual as outras se adaptam. O produto é, portanto, um público relativamente privilegiado.

Assim, temos as grandes empresas vendendo um público razoavelmente rico e privilegiado a outras empresas. Obviamente o quadro apresentado reflete os valores e os interesses, estreitos e preconceituosos, dos vendedores, dos compradores e dos produtos.

Outros fatores reforçam a mesma distorção. Os dirigentes culturais (editores, colunistas importantes, etc.) compartilham interesses de classe e associações com os dirigentes do governo e das empresas, além de outros setores privilegiados. Há, na verdade, um fluxo regular de pessoal de alto nível entre empresas, governo e mídia. Para se ter acesso às autoridades estatais, é importante manter posições competitivas: “vazamento de informações”, por exemplo, são amiúde maquinações produzidas enganosamente por autoridades, em cooperação com a mídia, que finge nada saber.

Por sua vez, as autoridades estatais exigem cooperação e submissão. Outros centros de poder também têm dispositivos para punir o distanciamento da ortodoxia, abrangendo desde a bolsa de valores até um eficiente sistema de difamação e calúnia.

O resultado não é, logicamente, inteiramente uniforme. Para servir aos interesses dos poderosos, a mídia deve apresentar um quadro toleravelmente realista do mundo. Entretanto, às vezes a integridade e a honestidade profissional impedem a missão primordial. Os bons jornalistas geralmente são bem conscientes dos fatores que caracterizam o produto da mídia, e procuram usar aberturas que aparecem. O resultado é que se pode aprender muito, por meio de uma leitura crítica e isenta, com aquilo que é produzido pela mídia.

A mídia é apenas uma parte de um sistema doutrinador maior: as outras partes são os jornais de opinião, as escolas e as universidades, as pesquisas acadêmicas, e assim por diante. Estamos mais cônscios da mídia, particularmente a mídia de maior prestígio, porque é nela que estão concentrados aqueles que analisam criticamente a ideologia. O sistema maior tal como é não tem sido estudado, porque é muito difícil investigá-lo sistematicamente. Mas há bons motivos para acreditar que ele representa os mesmos interesses que os da mídia, como qualquer um pode imaginar.

O sistema doutrinário, que produz aquilo que chamamos “propaganda”, ao falar de inimigos tem dois alvos distintos: um dos alvos é aquele que, algumas vezes, é chamado de “classe política”, cerca de 20% da população relativamente instruída, mais ou menos articulada e que desempenha algum papel na tomada de decisões. Sua aceitação da doutrina é fundamental, porque ela (a classe política) está em posição de traçar e implementar diretrizes políticas.

Em seguida, vêm os outros 80% da população. Estes são “os espectadores da ação”, a quem Lippmann descreveu como a “horda confusa”. Eles existem supostamente para obedecer a ordens e sair do caminho das pessoas importantes. Eles são o verdadeiro alvo dos meios de comunicação de massa: os tablóides, as comédias familiares, a Super Taça e assim por diante.

Esses setores do sistema doutrinário servem para distrair a grande massa e reforçar os valores sociais básicos: a passividade, a submissão às autoridades, as predominantes virtudes da avareza e da ganância pessoal, a falta de consideração com os outros, o medo de inimigos reais e imaginários, etc. A finalidade é manter a já confusa horda mais confusa ainda. Não é necessário dizer para eles se aterem ao que está acontecendo no mundo. Na verdade, isso é até indesejável, pois se eles observarem demais a realidade, podem se decidir a transformá-la.

Isso não quer dizer que a mídia em geral não possa ser influenciada pela população. As instituições dominantes – sejam elas políticas, econômicas ou doutrinárias – não são imunes às pressões populares. A mídia independente (alternativa) pode também desempenhar um papel importante. Embora ela, até por definição, careça de recursos, tem a mesma importância que as organizações populares: ao reunir pessoas com recursos limitados, que podem multiplicar sua eficiência e sua própria compreensão, pela interação – esta é precisamente a ameaça democrática tão temida pelas elites dominantes.