[...]
A Segunda Guerra Mundial dizimou nossa comunidade judaica em Criclkewood, e a comunidade da Inglaterra como um todo perderia milhares de pessoas nos anos pós-guerra. Muitos judeus, inclusive primos meus, emigraram para Israel; outros foram para Austrália, Canadá ou Estados Unidos; meu irmão mais velho, Marcus, foi para a Austrália em 1950. Muitos dos que permaneceram assimilaram-se e adotaram formas de judaísmo diluídas, atenuadas. Nossa sinagoga, que lotava quando eu era criança, foi se esvaziando anos após ano.
Recitei minha parte do bar mitsvá em 1946 para uma sinagoga relativamente cheia onde estavam várias dezenas dos meus parentes, mas para mim este foi o fim da prática judaica formal. Não passei a seguir as obrigações rituais de um judeu adulto - orar todos os dias, pôr os tefilin antes da oração matinal - e gradualmente me tornei mais indiferente às crenças e aos hábitos dos meus pais, embora não houvesse nenhum momento de ruptura até meus dezoito anos. Foi quando meu pai, ao indagar sobre meus sentimentos sexuais, me impeliu a admitir que eu gostava de rapazes.
"É só uma sensação, nunca 'fiz' nada", eu disse, e acrescentei: "não conte para mamãe: ela não aceitaria".
Ele contou, e na manhã seguinte ela desceu com uma expressão horrorizada e gritou para mim: "Você é uma abominação. Quisera que você nunca tivesse nascido". (Sem dúvida ela estava pensando no versículo do Levítico que diz: "O homem que se deita com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação, deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles".
Nunca mais se falou no assunto, mas suas palavras duras me fizeram odiar a capacidade da religião para a intolerância e a crueldade.
Oliver Sacks
Trad.: Laura T. Motta
2015