5.4.25

Existe vida depois do Panóptico?


Há poucas imagens alegóricas no pensamento social que se equiparem em poder persuasivo à do Panóptico. Michel Foucault usou o projeto abortado de Jeremy Bentham com grande efeito: como uma metáfora da transformação moderna, da moderna redistribuição dos poderes de controle. Com mais discernimento que muitos dos seus contemporâneos, Bentham viu diretamente através dos variegados invólucros dos poderes controladores a sua tarefa principal e comum, que era disciplinar mantendo uma ameaça constante, real e palpável de punição; e, através dos muitos nomes dados às maneiras pelas quais se exercia o poder, a sua estratégia básica e central, que era fazer os súditos acreditarem que em nenhum momento poderiam se esconder do olhar onipresente dos seus superiores, de modo que nenhum desvio de comportamento, por mais secreto, poderia ficar sem punição.

No seu "tipo ideal", o Panóptico não permitiria qualquer espaço privado; pelo menos nenhum espaço privado opaco, nenhum sem supervisão ou, pior ainda, não passível de supervisão. Na cidade descrita por Zamiatin em Nós, todo mundo tinha um lar privado, mas as paredes das casas eram de vidro. Na cidade de Orwell em 1984, todo mundo tinha um aparelho de TV particular, mas ninguém jamais tinha permissão de desligá-lo e ninguém podia saber em que momento o aparelho era usado como câmera pela emissora. 

Metáfora quase perfeita das facetas cruciais da modernização do poder e do controle, ficamos naturalmente inclinados a ver nos arranjos contemporâneos do poder uma nova e melhorada versão das velhas e basicamente inalteradas técnicas panópticas.

O principal propósito do Panóptico era instilar a disciplina e impor um padrão uniforme a comportamento dos internos; o Panóptico era antes e acima de tudo uma arma contra a diferença, a opção e a variedade.O Panóptico laçava seus internos como produtores e\ou soldados, dos quais se esperava e exigia uma conduta monótona e rotineira. A principal função do Panóptico era garantir que ninguém pudesse escapar do espaço estreitamente vigiado.

A ascensão crescente dos meios de comunicação de massa - sobretudo a televisão - leva à criação do Sinóptico, esse novo mecanismo de poder não precisa de coerção - ele seduz as pessoas à vigilância. No Sinóptico, os habitantes locais observam os globais. A autoridade destes últimos é garantida por seu próprio distanciamento; os globais não são literalmente "deste mundo", mas sua flutuação acima dos mundos locais é muito mais visível, de forma diária e intrusa, que a dos anjos que outrora pairavam sobre o mundo cristão: simultaneamente inacessíveis e dentro do raio de visão, sublimes e mundanos, infinitamente superiores mas dando um brilhante exemplo para todos os inferiores seguirem ou sonharem em seguir; admirados e cobiçados ao mesmo tempo - uma realeza que guia, em vez de mandar.

Segregados e separados da terra, os habitantes locais encontram os globais através das transmissões regulares do céu pela TV. Os ecos do encontro reverberam globalmente, abafando todos os sons locais mas refletidos pelos muros locais, cuja impenetrável solidez de presídio é assim revelada e reforçada.

Zygmunt Bauman
1925 - 2017