16.2.08

[Crônica Onisciente]

[Female nude, de Amadeo Modigliani, 1916]

Crônica Onisciente

"(...) era bela, se bem que de formas franzina e excessivamente delicada. Seu maior encanto provinha do rosto, cuja calma traía uma surpreendente profudenza de alma. Seu olhar brilhante, mas parecia velado por constante preocupação, acusava uma vida febril e a maior resignação. Suas pálpebras, quase sempre castamente voltadas para o chão, raramente se erguiam. Se lançava olhares ao seu redor, era com um movimento triste, e dir-se-ia que reservava o fogo de seus olhos para ocultas contemplações. Por isso, todo homem superior sentia-se curiosamente atraído por aquela mulher suave e silenciosa (...)"

[A mulher de Trinta anos - Honoré de Balzac]

***

Lá vem ele de novo com o mesmo discurso: a sociedade e seus valores ridículos. Por que ele não cala a boca? Mas que boca. Ele é bonito, convenhamos, mas tenho medo de olhá-lo. Ele me olha com outros olhos. Um olhar diferente querendo entrar dentro da gente. Que loucura a minha ficar pensando dessa maneira enquanto ele apresenta o trabalho."

Senão é o discurso, é um de seus poemas (escolhidos) eróticos, com seus contos pornográficos. Com a sua boca pornográ... Besteira! Mas um idiota que faz charme de garanhão. As mesmas roupas. O mesmo cabelo solto. Por que não o tiro dos meus pensamentos? Presta atenção, sua tola!

A minha amiga veio-me dizer, certa vez, que ele me acha bonita, e eu? O que acho dele? Sinto medo. Ele é uma pessoa legal, às vezes um pouco chata e idiota. Mas quem não é idiota de vez em quando? Por favor, não me olha assim – querido.

Abaixo o olhar, fixo o chão – quero beijá-lo, consumir seu corpo. Não pense, sua idiota! Vejo uma formiga, segue o caminho – uma linha reta – sem querer, enquanto ele declamava um texto, sei lá, a mata. Tenho ódio, quero matá-lo. Ergo os olhos e lá está ele imponente com o seu poema (dos outros). Já li uma vez um poema dele. Lindo. Havia me chamada de menina dos olhos de ouro. Pior, declamou em sala de aula, com todos reunidos. Foi especial para mim, para ele.

Mas por que o maldito está namorando, se fica flertando comigo?! Aqueles olhares. Por que ele faz isto comigo. Um grande rapaz, atencioso, carinhoso, um pouco tímido; muitas vezes babaca... Tudo isso você conclui daquele dia que ele se declarou, sua tola? Me deu de presente um livrinho do Balzac, com dedicatória e tudo. Achei maravilhoso. Será que estou apaixonada por ele? Será que ele está... Ah! Se pudesse saber mais sobre esse garoto. Quem ele é? Quem ele quer ser? Meu deus! Sou uma menina com olhos de ressaca, estava escrito na dedicatória do livrinho.

Em casa: deito no jardim e tudo gira ao meu redor. A luz do sol fustiga meus olhos. Uma leve garoa me refresca toda. A água acariciando meu rosto é uma coisa boa - querido, que mãos você possui. A noite chegando, não sei. Ele estará lá. Na universidade. Me colhendo com os olhos.