18.2.08

[Ficção - breve espaço entre o ambiente e o sentido]

Ambientação. Descrição do espaço físico. Objetos concretos. Luz - penumbra. Gestos. Plantas espalhadas, penduradas como suporte de. Samambaias, especificamente. Uma estante feita de lenha imbuia abarrotada de livros. Alguns quadros na parede enfeitam e, concomitantemente, revelam o gosto artístico do cubismo europeu. Dois sofás de couro escuro. Um pequeno abajur acesso numa mesa de canto. Um feixe de luz que, pela pequena fresta da cortina, penetra o cômodo e revela os pés descalços da personagem feminina a qual se atém na leitura de um romance. Deitado ao lado, sobre um pequeno carpet marrom, há um cachorro.
A consciência da existência da personagem feminina, está exposta em três retratos: uma fotografia provavelmente tirada na época de adolescente, com os cabelos compridos e um sorriso raro. Os braços esticados dão a sensação de que estivesse de mãos dadas com alguém num rodopio de ciranda. O segundo retrato, revela o filho. Jovem e bonito com um futuro brilhante. O último retrato, mostra o marido pousando de piloto ao lado de um avião tipo teco-teco.
A dor da personagem romanesca, lida pela personagem feminina, cujos pés descalços até o momento do clímax narrativo acariciavam o pêlo do seu cão fiel, a conscientiza do seio amputado.
O levantar. O caminho percorrido até o abajur, o dedo esticado apertando o interruptor da luz elétrica, deixa o cômodo silencioso absorvendo a luz que entrava pela pequena fresta da cortina. O romance, abandonado, retornará para a estante como se não houvesse existido. Ou sim.