A escrava presa no harém não experimenta nenhuma paixão mórbida pela geleia de rosas, pelos banhos perfumados: precisa passar o tempo; na medida em que sufoca em um morno gineceu - bordel ou lar burguês - a mulher se refugiará no conforto e no bem-estar; aliás, se busca avidamente a volúpia é muitas vezes porque dela se acha frustrada; sexualmente insatisfeita, fadada à violência do macho, condenada as indignidades masculinas, consola-se com molhos cremosos, vinhos capitosos, veludos, carícias da água, do sol, de uma amiga, de um jovem amante. Se apresenta ao homem como um ser "tão físico", é porque sua condição incita a dar extrema importância à própria animalidade. Ela dá importância às pequenas coisas por não ter acesso às grandes: além disso, as futilidades que lhe enchem os dias são, muitas vezes, das mais sérias; à sua toalete, à sua beleza, deve seu encanto e suas possibilidades. Mostra-se frequentemente indolente, preguiçosa, mas as ocupações que ela se propõem são tão vãs quanto o simples escoar do tempo; se é tagarela, escrevinhadora, é para evitar a ociosidade: substitui palavras a atos impossíveis. Está sempre disposta, dizem, a deitar-se aos pés do senhor e a beijar a mão que lhe bateu; os conselhos que os "consultórios sentimentais" dispensam às mulheres enganadas, às amantes abandonadas são inspirados por um espírito de abjeta submissão; a mulher esgota-se em cenas arrogantes e acaba recolhendo as migalhas que o macho consente em lhe jogar. Mas o que pode fazer sem o apoio masculino uma mulher para quem o homem é ao mesmo tempo o único meio e a única razão de viver? Ela é obrigada a aceitar todas as humilhações; a escrava não poderia ter o sentido da dignidade humana. Ela deve assegurar a monótona repetição da vida em sua contingência e sua facticidade: é natural que ela própria repita, recomece, sem jamais inventar, que o tempo lhe pareça girar sobre si mesmo sem conduzir a nenhum lugar; ocupa-se sem nunca fazer nada; aliena-se pois no que tem; essa dependência em reação às coisas, consequência da dependência em relação aos homens, explica sua prudente economia, sua avareza.