Se eu ansiava por destruição era meramente para que esse olho pudesse ser extinto. Eu ansiava por um terremoto, por algum cataclismo da natureza que afundasse o farol do mar. Desejava uma metamorfose, uma mudança para peixe, para leviatã, para destroier. Desejava que a terra se abrisse, para engolir tudo em uma vasta bocada. Desejava ver a cidade mergulhada bem no fundo do mar. Desejava sentar-me em uma caverna e ler à luz de vela. Desejava que o olho se extinguisse para que eu pudesse ter oportunidade de conhecer meu próprio corpo, meus próprios desejos. Desejava ficar sozinho por um milhar de anos a fim de refletir no que havia visto e ouvido – e a fim de esquecer. Desejava ardentemente alguma coisa desta terra que não trouxesse a marca de fábrica do homem, algo absolutamente divorciado do humano de que eu já estava farto. Desejava algo puramente terrestre e absolutamente desprovido de ideia. Desejava sentir o sangue refluindo em minhas veias, mesmo à custa de aniquilação. Desejava expulsar de meu organismo a pedra e a luz. Desejava a escura fecundidade da natureza, o poço fundo do útero, silêncio ou então o roçar das águas negras da morte. Desejava ser aquela noite que o olho sem remorsos iluminava, uma noite cravejada de estrelas e cometas de cauda. Ser uma noite de silêncio tão assustador, tão absolutamente incompreensível e eloquente ao mesmo tempo. Nunca mais falar, nem ouvir, nem pensar. Desejava ser englobado e encerrado, ao mesmo tempo encerrando e englobando. Nada mais de piedade, nada mais de ternura. Ser humano apenas terrenamente, como uma planta, como um verme ou como um regato. Ser decomposto, desprovido de pedra e luz, variável como a molécula, durável como o átomo, sem coração, como a própria terra.